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sábado, 31 de dezembro de 2011

MUITA UTOPIA EM 2012

Encerra-se um ciclo e outro se inicia. Psicologicamente nos sentimos prontos para mais uma jornada. Fazemos festa para comemorar nossas conquistas no período que passou e também para esquecermos das decepções do ano. Não podemos nos esquecer dos erros, pois precisamos lembrá-los para numa outra oportunidade corrigi-los.
Mas ainda que contabilizemos os sucessos e fracassos, não devemos levar nossas vidas de forma burocrática, de forma mecânica. Precisamos sonhar mais. Nós, jovens, precisamos, como bem disse Plínio de Arruda Sampaio, acreditar que o impossível pode se tornar possível, basta acreditarmos.

Precisamos de mais utopia em nossas vidas. É acreditando nela que poderá chegar o dia de comemorarmos tudo aquilo que sempre projetamos.

Especialmente neste ano, mais um eleitoral, precisamos enxergar o processo como mais uma possibilidade de podermos melhorar nossas vidas. Não estamos na terra apenas para comer e trabalhar. Queremos qualidade de vida, lazer, diversão, tempo para o ócio. Empregos decentes, transporte de qualidade e saúde pública digna fazem parte do que é mais essencial para vivermos melhor, com mais tranqüilidade, com mais alegria.

Portanto, além de muita saúde neste próximo ano, muita UTOPIA para todos nós. Precisamos acreditar que dá para ser diferente. Já dizia a poeta, se não dá para mudar o começo, certamente poderemos mudar o final.

Encerra-se um ciclo e outro se inicia. Psicologicamente nos sentimos prontos para mais uma jornada. Fazemos festa para comemorar nossas conquistas no período que passou e também para esquecermos das decepções do ano. Não podemos nos esquecer dos erros, pois precisamos lembrá-los para numa outra oportunidade corrigi-los.

Mas ainda que contabilizemos os sucessos e fracassos, não devemos levar nossas vidas de forma burocrática, de forma mecânica. Precisamos sonhar mais. Nós, jovens, precisamos, como bem disse Plínio de Arruda Sampaio, acreditar que o impossível pode se tornar possível, basta acreditarmos.

Precisamos de mais utopia em nossas vidas. É acreditando nela que poderá chegar o dia de comemorarmos tudo aquilo que sempre projetamos.

Especialmente neste ano, mais um eleitoral, precisamos enxergar o processo como mais uma possibilidade de podermos melhorar nossas vidas. Não estamos na terra apenas para comer e trabalhar. Queremos qualidade de vida, lazer, diversão, tempo para o ócio. Empregos decentes, transporte de qualidade e saúde pública digna fazem parte do que é mais essencial para vivermos melhor, com mais tranqüilidade, com mais alegria.

Portanto, além de muita saúde neste próximo ano, muita UTOPIA para todos nós. Precisamos acreditar que dá para ser diferente. Já dizia a poeta, se não dá para mudar o começo, certamente poderemos mudar o final.

http://www.blogdepoa.com.br/

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

VARA DE MARMELO

Em casa tinha uma vara de marmelo. Minha mãe nunca a usou em mim. Na verdade ela foi usada uma única vez no lombo de meu irmão, o do meio, que era o mais levado de todos. Ele entrou no quintal da vizinha, pegou lá um brinquedinho e trouxe pra casa. Mãe perguntou de quem era o brinquedinho ele disse que o menino da vinha dera pra ele. Mãe foi perguntar pra vizinha... Foram duas pancadinhas apenas... Aquela fora a primeira e única vez que mãe dera em um filho. Em meu irmão as pancadinhas surtiram pouco efeito, pois ele continuou aparecendo em casa com objetos “achados” ou “ganhados”. Em mim, ainda nas fraldas, o efeito foi devastador. O dissimulado choro de meu irmão imprimiu-se em mim. Bastava mãe dizer: “menino!”, que eu me encolhia todo e se ia subir, descia; se ia correr, andava; se ia falar, calava. A irmã mais velha aproveitava disto: “vou contar pra mãe”, e estava eu a fazer suas vontades. O caçula também aproveitava: “mãeee...” e eu me rendia a seus caprichos... Quando, na escola, a professora anunciava: “vou chamar a mãe de vocês aqui!”, eu me borrava todo, e me borrava literalmente... Passei muito constrangimento, deixei de me aventurar em muitas coisas com receio da vara de marmelo, que, na verdade, deixou de existir logo depois das pancadinhas em meu irmão. Mas estes dias cheguei em casa e minha companheira veio-me com uma novidade: vestida em couro, rasgou-me a roupa, jogou-me ao chão, virou-me abruptamente de costas... “bate mais querida, ahhh! Bate mais...”  

sábado, 24 de dezembro de 2011

Conto de Natal

25 de dezembro 2h 30mim – Chego em casa, tiro o gorro da cabeça,  a barba postiça: “bando de babacas”, digo pra mim mesmo, indo para o banheiro.

2h50mim – Abro o vinho, ligo o computador, a tela se abre com os filhos sorrindo-me...: “Não fossem vocês...” Acesso a internet, entro no site WWW. Gostosas.com... Entro no chat... Encho o copo. Tomo-o em duas goladas.

3h 15mim – Digo: “Assim! Isto, bem de vagar! Isto, assim! Viro outro copo de uma só vez!”

3h 20 mim – Xayanhe@apertadinha diz: Vem gatão! Vem pra sua Mamãe Noel, vem!

3h 25mim – Tomou vinho no gargalo... : Desce, devagar... Desce... Uhmm! Assim! Isto! Assim!

...

... Foi encontrado, na manhã de ontem, em seu apartamento, o corpo de CSS, conhecido como o “Papai Noel das Celebridades...” Segundo os médicos ele, provavelmente, infartou durante a madruga de Natal... Sua última aparição foi na festa dos Cardosos e Serras na noite de 24 de dezembro, onde distribui os tradicionais presentes do casal aos amigos e colaboradores. CSS era separado e deixa um casal de filhos. (Folha do Pintangui, 28 de dezembro, caderno C)

 ...

3h 26mim – Vou gozar! AHHH, vou...! Foram minhas últimas palavras!


GELOSIA

“O pior ciúme é o ciúme do passado”, me explicava Donato. Isto porque eu lhe falava do barraco que minha companheira causou no mercado outro dia. Fazíamos as compra para a ceia, eu na gôndola de vinhos, ela procurando temperos. Sinto um leve toque em minhas costas, seguido de: “Olá Guido, tudo bem!” Virei e dei-me com Jhoana, uma amiga dos tempos de colégio... Mantivemos uma conversa muito rápida, coisa de uma ou outra informação. Do nada, do nada mesmo, o estouro. Viro-me, e o vinho escorrendo entre estilhaços pelo corredor: “cretino, filho da..., basta eu virar as costas...”, esbravejava minha companheira com o gargalo do litro na mão” Foi uma cena! E não tinha nada a ver com Jhoana, mas com uma nossa amiga em comum, que na adolescência eu havia paquerado. Minha companheira vendo-me conversar com Jhoana, pensou que eu estivesse a pedir-lhe noticias da outra. É assim que as coisas funcionam, eu não posso, quando entre amigos, sequer lembrar que estudei o ensino médio com a turma tal, que algo altera completamente o humor de minha companheira, ela assume uma outra personalidade. Qualquer coisa, qualquer coisa mesmo que a faça lembrar esta minha ex paquera, porque não foi mais que uma paquera, ela sobe nos tamancos e a confusão esta armada. Certa feita, na fila do cinema, com um casal de amigos, o meu amigo resolveu lembrar de nossas escapadelas para irmos à lagoa... Fomos parar na delegacia...  Donato, então, me dizia que o ciúme assume muitas formas, mas a mais complicadas de todas é o ciúme do passado. “O passado, para o ciumento, é uma realidade tangente e ameaçadora; a qualquer momento ele pode irromper e despertar sentimentos que estão apenas adormecidos..., e uma relação que já não tem mais razão de ser, porque seu ponto final já foi posto, torna-se uma presença ameaçadora.” Donato, para exemplificar, contou-me, que um amigo, viúvo há algum tempo, havia se matado quando soube que um antigo namorado da esposa havia falecido de recente. “O cara se matou de ciúme do outro, que morto iria roubar-lhe a esposa”... “Isto é maluco”, completara. “Maluco”, coloca maluquice nisto”, emendei. As explicações de Donato são-me confusas e não ajudam muito. Eu gosto demais de minha companheira, sou capaz de mil loucuras por ela. Às vezes penso em colocar ponto final em nossa história, no entanto, maluquice ou não, são seus barracos que me fazem continuar com ela. Só quando ela se altera eu me sinto totalmente dela. Para não perdê-la, alimento o seu ciúme.

sábado, 17 de dezembro de 2011

As Traquitanas de Álvaro Campos

Para Fábio Miguel
                                                                                          
“Nós não estamos só em nós mesmos, certos objetos conservam a memória do que somos” Rodner Lúcio

Quando Álvaro Campos morreu  deixou aos filhos a incumbência de desfazerem de suas coisas doando-as, vendendo-as ou simplesmente consumindo-as no fogo. Nada além do que estava estipulado em testamento deveriam os filhos conservar para si. Dizia ele que “há objetos que possuímos porque narram algo de nossa história, mas uma história que compete apenas a nós contarmos. São essas traquitanas que vamos acumulando no porão, e que, vez ou outra, numa arrumação, encontramos e despertam nossa memória. Só em nós elas despertam sensações, sentimentos, emoções particulares. Elas precisam de nós para terem sentido, sem a nossa presença elas se apagam.” Feito, então, a partilha dos bens, os filhos de Álvaro Campos, num domingo, reuniram-se para decidirem o que fazer com as traquitanas do pai. Desceram ao porão, reviraram-no todo, foram desentranhando uma montanha de coisas que iam separando umas para serem doadas, outras para serem vendidas, outras para serem queimadas, não pareceu-lhes difícil decidir em que categoria colocar cada coisa. A certa altura, o mais moço encontrou um botão de camisa, lágrimas escorreu-lhe nos olhos, um outro dava saltos de alegria, calçando um velho par de sapatos, outro contava animado um fato qualquer, segurando uma caneca de porcelana ... O fato é que passados vinte anos, os filhos de Álvaro Campos ainda não saíram do porão. Ora choram. Ora riem. Ora cantam...

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

PAREIDOLIA

Chego em casa encasquetado, abro a porta, premo o interruptor, a luz da sala acende, entro, fecho a porta, deixo a bolsa e os diários sobre a mesa de centro, vou a cozinha mexo nas panelas sobre o fogão, belisco um pedaço de frango frito, abro a geladeira pego uma cerveja, vou ao quarto dos meninos: dormem e estão cobertos. Ana está no nosso quarto arrumando uns papéis. Dou-lhe um beijo formal, volto pra cozinha, belisco outro pedaço de frango, abro a cerveja, vou pra sala, ligo a TV, adormeço... Acordo no meio da noite; desligo a TV, vou pra cama. Ana dorme... Uma aluna aproximou de mim: “professor, o que tenho que fazer, pra eu passar de ano?”. “Entregue as atividades como foram pedidas!”, respondi seco! “E se eu...”, pegando-me pelo braço. Senti o calor de seu corpo, o cheiro de sua pele, a maciez de sua mão, o leve toque dos seios. “Entregue as atividades como foram pedidas”... O sono não vinha, devia ter ficado na sala. Corro os olhos pelo escuro quarto. Um ponto de luz numa fresta do telhado atrai meu olhar. O brilho avoluma-se, torna-se clarão. Uma figura de mulher serpenteia ante meus olhos. Pele morena, rosto redondo, lábios carnudos, olhos brilhando esverdeados, cabelos curtos... Sorri-me: “o Sr me quer?” baixando uma das alças do vestido, é estampado florido, não sei dizer de que estopa. “O Sr me quer?”, baixou a outra alça deixando os seios nus... Almerinda! Almerinda! Alm... Trimmmmmmm... Levanto, tomo banho, visto a roupa, tomo café... Beijo Ana, as crianças, pego a bolsa os diários, abro a porta, saio... “Guilherme, onde cê vai a está hora, homem?” “Pra escola e estou atrasado”. “Hoje é sábado, homem, volta pra cama e dorme!”

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Pão de culpa

O relógio mostrava treze minutos percorridos e ele permanecia no ponto de ônibus, esperando o seu ônibus surgir na esquina. Uma garota com fones nos ouvidos ocupava o mesmo banco, fazendo companhia apenas a si própria, embora a noite houvesse acabado de chegar para os dois.

Sentia fome.  Não havia almoçado. Do outro lado da rua, na esquina, havia uma padaria. Olhou novamente o horário. Aquele ônibus costumava demorar uns vinte minutos. Era só atravessar a rua, comprar alguma coisa para comer e voltar para o ponto. Ia demorar a chegar em casa, o coletivo fazia tantos rodeios pelas ruas! Olhou para a garota dos fones, como que à espera de aprovação. Atravessou.

Já dentro da padaria, seu olhar meio esfomeado percorreu a vitrine e logo resolveu levar um pequeno pão doce de aparência bem razoável. No caminho mesmo para o ponto, deu a primeira mordida. Então veio o gosto. Gosto de pão doce velho. Gosto velho da culpa.

Devia ter uns sete anos quando aconteceu. Naquele dia, sua lancheirinha que levava para a escola carregava um pão doce que mamãe havia embrulhado cuidadosamente. Pátio cheio de outras criancinhas, mas estava só. Abriu a lancheira e tirou o pão.  Estava duro e velho. O cheiro. Deu uma mordida. O gosto. Velho.

Mamãe orava antes e depois das refeições, agradecendo o Pão. Pendurado na parede da cozinha, próximo à mesa, repousava uma reprodução de Jesus com os doze apóstolos e era na direção daquela imagem que o olhar da mãe se dirigia, enquanto fazia o sinal da cruz.

Envergonhou-se por não desejar comer o pão. Envergonhou-se por não querer levar o pão de volta e fazer desfeita com a mamãe e desfeita com o Deus que oferecia a refeição que ela tanto agradecia. Envergonhou-se por não ter coragem de oferecer o pão para alguma criança bem mais benevolente com aquele pedaço de comida que ele. Seu rosto avermelhou-se de imaginar jogando-o no lixo, no meio do pátio lotado. A vermelhidão tomou todo o seu corpo pequeno. Estava cravado nele o olhar dos doze apóstolos, que tinham saído do quadro da cozinha para o pátio do colégio, e faziam roda em volta dele, recriminando-o profundamente pelos seus pensamentos pecadores. Correu em direção aos banheiros, trancando-se em um deles. Com todas aquelas vergonhas lhe atravessando, cometeu uma última: atirou o pãozinho na lixeira do banheiro.

É, devia ter uns sete anos quando aconteceu. O tempo passou, o batizou, crismou e comungou. E sentado no banco do ponto de ônibus, com aquele pedaço de pão velho atravessado na garganta, perguntou a si mesmo se o Deus da mamãe havia perdoado seu gesto naquele dia, no primário. Era estranho sentir aquele sabor novamente, o de sua culpa católica. A cor pintou novamente a sua face, ao lembrar da imagem do pão doce boiando em meio ao papel higiênico usado, naquele banheiro sujo. Engoliu o pedaço em seco. Três décadas depois para sentir aquele gosto novamente.


A garota dos fones tinha ido embora, em algum ônibus que havia passado, sem que ele percebesse. O coletivo não chegava para levá-lo adiante. Um pedaço de pão doce o havia levado para trás.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

A Cidade e os Mortos de ITALO CALVINO

Tradução livre: Claudio Domingos Fernandes

A Melania, cada vez que se entra na praça, nos encontramos em meio a um dialodgo: o soldado garboso e o parasita saindo por uma porta se encontram com o jovem esbanjador e a prostituta; ou então, o pai avarento, da soleira, faz as ultimas recomendações à filha amorosa e é interrompido pelo servo estúpido que traz um bilhete à alcoviteira. Retornando se a Melania depois de anos se encontra o mesmo dialogo que continua; nesse meio tempo morreram o parasita, a alcoviteira, o pai avarento; mas o soldado garboso, a filha amorosa, o servo estúpido tomaram o sues postos, substituídos por sua vez do hipócrita, da confidente, do astrólogo.

A população de Melania se renova: os dialogantes morrem um a um e, no entanto, nascem aqueles que tomaram por sua vez lugar no dialogo, quem em uma pare, quem em outra. Quando alguém troca de parte ou abandona a praça para sempre o realiza seu primeiro ingresso, se produzem mudanças em cadeia, até que todas as partes não sejam distribuídas de novo; mas, no entanto, o velho irado continua a responder a serva espirituosa, o usuário não deixa de perseguir o jovem deserdado, a ama de leite de consolar a afilhada, também se nenhum deles conserva os olhos e a voz que havia na cena precedente.

Acontece, às vezes, que um mesmo dialogante mantenha ao mesmo tempo dois ou mais partes: tirano, bem feitor, mensageiro; ou que uma parte seja duplicada, multiplicada, atribuída a cem, a mil habitantes de Melania: três mil para o hipócrita, trinta mil para o aproveitador, cem mil de reis caídos na desgraça que esperam o reconhecimento.

Com o passar do tempo também as partes não são mais exatamente as mesmas de antes; certamente a ação que elas conduzem adiante através de intrigas e golpes de cena carrega algo de desfecho final, que continua a aproximar-se também quando o novelo  parece emaranhar-se mais e os obstáculos aumentar. Quem se aproxima da praça em momentos sucessivos sente que de ato em ato o dialogo muda, também se as vidas dos habitantes de Melania são muito breves para se darem conta disto.
Le città e i morti
Italo Calvino – Le Città Invisibili – Milano, OscarMondadori, 1993
            A Melania, ogni volta che si entra nella piazza, ci si trova in mezzo a um dialogo: Il soldato millantatore e Il parassita uscendo da uma porta s’incontrano col Giovane scialacquatore e la meretrice; oppure Il padre avaro dalla soglia fa le ultime raccomandazioni alla figlia amorosa ed è interroto dal servo sciocco che va a portare um biglietto alla mezzana. Si ritorna a Melania dopo anni e si ritrova lo stesso dialogo che continua; nel frattempo sono morti Il parasita, La mezzana, Il padre avaro; ma Il soldato milantatore, la figlia amorosa, Il servo sciocco hanno preso Il loro posto, sostituiti alla loro volta dall’ipocrita, dalla confidente, dall’astrologo.
La popolazione di Melania si rinnova: i dialoganti muoiono a uno a uno e intanto nascono quelli che prederanno posto a loro volta nel dialogo, chi in una parte chi nell’altra. Quando qualcuno cambia di parte o abbandona la piazza per sempre o vi fa Il suo primo ingresso, si producono cambiamenti a catena, finchè tutte le parti non sono distribuite di nuovo; ma intanto al Vecchio irato continua a rispondere la serva spiritosa, l’usuraio non smette d’inseguire Il Giovane diseredato, la nutrice di consolare la figliastra, anche se nessuno di loro conserva gli occhi e la voce che aveva nella scena precedente.
Capita alle volte che um solo dialogante sostenga nello stesso tempo due o più parti: tiranno, benefattore, messagerro; o che uma parte sai sdoppiata, moltiplicata, atribuita a cento, a Mille abitanti di Melania: tremila per l’ipocrita, trentamila per lo scroccone, centomila figli di re caduti in bassa fortuna che atendono Il riconoscimento.
Col passare del tempo anche le parti non sono più esatamente le stesse di prima; certamente l’azione che esse mandano avanti atraverso intrighi e colpi di scena porta verso um qualche scioglimento finale, cui continua ad avvicinarsi anche quando la matassa pare ingarbugliarsi di più e gli ostacoli aumentare. Chi s’affacia alla piazza in momenti sucessivi sente che d’atto in atto Il dialogo cambia, anche se Le vite degli abitanti di Melania sono troppo brevi per accorgersene.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

O Quadro

Minha mãe sempre me ensinou a não levar coisas do lixo para casa... Retorno da escola pensando em Gleice Kelly, aluna do segundo médio. Morena, alta, olhos esverdeados, corpo bem formado... Caminho imaginando entrar um dia em aula e encontrá-la só, nua, que com voz suave diz-me atraída e desejosa de mim. Logo me encontro lançado sobre seu corpo quente e tenso, pulsando e transpirando intensamente... Atravessando de um lado ao outro da rua, passo por uma caçamba e percebo nela um quadro que me atrai a atenção: é uma replica perfeita da Vênus Adormecida de Giorgio da Castelfranco. Não penso duas vezes, pego o quadro e o levo comigo. Em casa deixo-o no sofá, para instalá-lo com calma na manhã seguinte. Entro no banheiro e tomo uma chuveirada e retorno a pensar em Gleice Kelly. Saio do banho, vou à cozinha, aqueço no micro-ondas um pedaço de pizza da noite anterior, abro uma cerveja, vou pra cama: “demorou amor!”.  A Vênus me esperava, sorrindo-me. Na verdade era Glaice Kelly que eu via ali sobre meu leito, representando a cena di Giorgione e era real. “Como você entrou aqui?”, perguntei-lhe embasbacado. “Você me trouxe!” “Eu?” “Amor não se faça de bobo! Vem me aquecer, vem! Que banho demorado o teu!” Nunca havia amado tanto uma mulher como amei aquela noite Gleice Kelly... “Amor, você soube do professor de artes aqui do lado? Dizem que sumiu.” “Fiquei sabendo, foi o seu irmão quem deu-me este quadro de o Homem Condenado, de Michelangelo, disse que foi a única coisa encontrada em seu apartamento.” ... Devia ter dado ouvidos à minha mãe.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Ponto “G”

Muita gente por aí, quer atingir o tal ponto “G”.

Como se a mulher fosse feita de pedacinhos.

A mulher é totalidade:

Corpo, sentimentos, sonhos, projetos...

O ponto “G” é importante,

Mas o que seria dele se não fosse o ponto A, B, C... H, ...R, T...:

Admiração,

Beijos,

Carícias,

Harmonia,

Respeito,

Toque...

Ainda não escrevemos todo o abecedário...

Calma amor, vamos chegar ao ponto “G”

O ponto que inclua a Gente Junto

Não escrevemos todo o abecedário,

Ele ganhará todo sentido em nós.

Quero escrever nossa vida de A até Z,

Quando acabar reescrever tudo de novo com você.


sexta-feira, 18 de novembro de 2011

MARCINHA

No verão, costumávamos cabular aula, principalmente as de dona Jhoana e suas intermináveis lições de divisão com três números na chave. Geralmente ficávamos ao redor da escola. Na verdade ficávamos no campo de educação física sacando as meninas jogando vôlei. Às vezes a professora implicava com nossa presença, mas dizíamos que éramos do período da tarde. Os dias de treino das meninas da oitava série eram os preferidos. Uma vez ou outra íamos à lagoa... Naquele dia, Thiaguinho disse que tinha uma surpresa e sacou da mochila o radinho de pilha que ganhara do avô. “E tem mais”, disse ele, “mas só mostro na lagoa..., se a professora pega..., meu pai me arranca o couro”. Marcinha quando viu o radinho se interessou e logo informou: “Eu e Marhiane também vamos”. “Não vão não!” Respondeu seco Thiaghuinho. Mas Marcinha insistiu: “se não formos também, entrego todo mundo!”. Thiaguinho emburrou e acabamos entrando pra escola. A verdade é que ficamos sem entender a reação de Thiaguinho, não seria a primeira vez que Marcinha e Marhiane cabulariam aula junto com a gente. Chateados eu e o Alberto combinamos aprontar uma para a Marcinha. Ao fim da segunda aula, no entanto, a idéia de aprontar pra Marcinha já não me agradava tanto. Ela era muito divertida e sempre disposta a participar de nossas armações. Mas, sobretudo, ela era linda. Num corpo que começava a despontar sensualidade, o misto de índia e holandesa dava-lhe especial beleza. Bastava-me seu sorriso e o mundo acabava. Quando então ela pediu-me o apontador, sentir o toque de seus dedos..., a idéia de pregar-lhe uma peça demoveu-se completamente. No intervalo, já estávamos todos juntos e Thiaguinho cedeu e ligou o radio. A música logo criou ao nosso redor uma roda de olhos e ouvidos curiosos. Marcinha gingava o corpo se descrisalando e seguíamos animados seus movimentos ao som de Placa Luminosa. Mas para cortar o barato, dona Marta, com seu característico mau humor, veio, sem mais nem menos, confiscar o aparelho. No dia seguinte nossas mães deveriam comparecer à escola... As aulas seguintes tornaram-se intermináveis. Primeiro, dona Jhoana, depois, dona Quitéria, de OSPB, que aproveitou o “incidente” do intervalo, para nos ensinar o respeito à “ordem estabelecida, como valor cívico”. No caminho de volta para casa, Thiaguinho esperou Marcinha se afastar um pouco: “Eu ainda quero mostrar outra coisa para vocês”, sacando uma revista Playboy da mochila: “tirei de um baú de meu pai, que encontrei aberto ontem à noite...” Era uma Playboy de janeiro de 1982, que Marcinha arrancou-nos das mãos, antes que a pudéssemos folhear...

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Os canteiros de Couve

Amaro entrou no banho. Amarilda, saindo, gritou-lhe: “estou indo comprar cigarro e já volto!” Quando Amarilda voltou estranhou que Amaro ainda estivesse no chuveiro: “Hei amor olha o desperdício, olha a conta no fim do mês!” Amaro não respondeu. Amarilda abriu a porta do banheiro. O banheiro vazio, o chuveiro escorrendo água: “Este Amaro! Oh homem desligado”. Amarilda ascendeu um cigarro, foi para cozinha, tomou café, picou a couve, cozeu o arroz, temperou o feijão, fritou o bife, pôs a mesa, ascendeu um cigarro: “Amaro está pra chegar”, foi ao portão... Fez hoje cinqüenta anos que Amaro desapareceu, enquanto Amarilda foi comprar cigarros. E a cinqüenta anos Amarilda cumpre todos os dias o mesmo ritual. Sua vida estacou ante o banheiro vazio. Mas hoje, quando Amarilda, voltando da venda, entrou em casa e gritou: “Hei amor olha o desperdício, olha a conta no fim do mês!”, e correu à porta do banheiro e a abriu, Amaro sorriu-lhe: “amor só mais um instantinho!”, Amarilda ascendeu um cigarro, foi para cozinha, pegou a faca... Todos admiram a horta de Amarilda: “como são bem cuidados estes canteiros de couve, dizem os vizinhos”. “Amaro gosta tanto de couve”, responde Amarilda.  

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

TE AMO

Prendo nella fretta il primo pantalone

E la camicia che hai stirato

alzo l'radio un po' per non pensare

e mangio in fretta un pezzo di pane con burro

e bevo del  latte rancido lasciato sul tavoro ieri

Il giorno è freddo

dal balcone vedo la strada già congestionata

guardo l’orologio, sono in ritardo

Cerco la giacca tra i pani sporchi

Sento la radio per non pensare

Mi hai detto ieri che sono strano e confuso

Forse abbia ragione

Ma non ti hanno dei motivi per sentirti addosso la paura di sbagliare

Respiri bene a fondo e prenditi il tuo tempo

“restiamo con i piedi per terra”, mi hai detto

dove ti nascondi quando mi guardi con quegli occhi grandi?

Prendo le chiavi, sono in ritardo

La testa gira a mille, come faccio a fermare i piedi?

Spegno la radio, chiudo la porta

La strata è già affollata

Sono pronto per la lotta

Prenditi Il tuo tempo

Sono strano e confuso, è vero

Ma come è bello sognare quando sono con te

E non saprei vivere lontano da te

Prendo l’autobus e te sorrido

Buon giorno, Amore mio!

GLOSSÁRIO TÉCNICO CRÍTICO PARA CUNHÃ

GLOSSÁRIO TÉCNICO CRÍTICO PARA CUNHÃ, DE CLAUDIO DOMINGOS FERNANDES POR MARCO MAIDA

Introdução e advertência

O presente glossário tem por objetivo propor uma leitura adequada ao conto Cunhã de Claudio Domingos. O uso indevido desse glossário pode e com certeza levará o leitor a uma leitura ineficiente do texto citado.

Sobre os verbetes vale considerar que estão dispostos em ordem meta-alfabética e a sua definição usa critérios semânticos livres.

Cunhã: substantivo, singular, feminino, próprio da região amazônica, é um termo que designa todo peixe que é objeto de estudo de mulheres que são designadas pelo estado conjugal de sua irmã: para a irmã casada a sua designação é “a cunhada”e o seu objeto de estudo é o “cunhã”. As pesquisadoras do peixe Cunhã são muito chatas, ou melhor, muito dedicadas a sua pesquisa, e por isso assumem a condição de celibatária. Há ainda uma pesquisadora que estuda a propriedade metamórfica da Cunhã. Segundo Margaret Mead, profunda conhecedora dos animais e plantas amazônicos, a Cunhã pode transformar-se em uma boicininga alada e com duas cabeças quando ameaçada por seu maior predador. Essas pesquisas ainda margeiam os mitos da região, mas entre mito e ciência existe um espaço muito curto, muito curto mesmo!



Abaçanada: adjetivo, singular, feminino, muito usado pelas pessoas da Amazônia para designar a forma como se comporta a coloração do peixe Cunhã. Segundo pesquisas considera-se que o peixe Cunhã possui a fantástica propriedade de mudar a coloração de sua pele conforme o seu estado de espírito, e segundo algumas chunazólogas, o peixe Cunhã usa dessa artimanha para conquistar os seusobjetivos. Isso leva a crer que o estado de espírito é determinado pelo objetivo que o peixe Cunhã deseja alcançar.



Catulo: substantivo, singular, masculino, próprio da região amazônica. Termo usado para designar o peixe que relaciona-se com Cunhã de forma simbiótica. Assim como o peixe firefaster e o tubarão, Cunhã e Catulo são vistos sempre juntos, mas a convivência não é parasitária, senão simbiótica. Alguns dizem que Cunhã precisa de Cutalo para mudar a sua cor de pele, para designar o seu objetivo. Algumas cunhazólogas afirmam que não é possível a Cunhã designar-se um objetivo sem o Cutalo. A relação simbiótica pode acontecer em qualquer momento do desenvolvimento desses peixes, é mais comum que a relação simbiótica aconteça na fase juvenil (um pouco clichê, mas a ciência é assim!).



Bilontra: substantivo que pode ser atribuído a dois gêneros, designa nesse caso muito específico um peixe da família dos Trangenerosandrógenus e possui a propriedade de mudar de sexo conforme a situação. Muito voluntarioso, esse peixe é comumente encontrado em águas barrentas amazonenses e predador da Cunhã e do Cutalo. Costuma ser muito requisitado em pratos chiques na Europa. Dizem alguns guias de viagem que os alemães vêem para o Brasil em busca desse peixe e quando o encontram fartam-se com o seu sabor.



Diamba: Substantivo, singular, masculino, usado pelo peixe Bilontra como recurso para passar o tempo nos intervalos em que não está caçando Cunhã e Catulo e não está divertindo turistas alemães. Costuma ser encontrado no fundo das águas barrentas do amazonas, folha que é enrolada e fica no canto da boca do peixe Bilontras. Dizem alguns pesquisadores que é usado para a higiene dos dentes e para a manutenção do hálito sempre fresco. O antropólogo alemão Glutonios Salcianus, profundo conhecedor do peixe Bilontras, afirma que a Diamba era usada pelos índios que vivam a margem do Amazonas para dor de dentes e nas mulheres para o ritual de casamento (ainda não se sabe ao certo o motivo, eu tenho algumas hipóteses, mas prefiro discutir sobre isso em nosso próximo encontro).



Boceta: substantivo, feminino (bem feminino), singular (nem tanto assim). Parte do peixe Cunhã em que, segundo cunhazólogas, encontra-se a propriedade que faz o peixe Cunhã mudar de cor.



Ciciandouma canção álacre: frase muito usada pelos pesquisadores alemães do peixe Bilontras. É um ruído produzido por esse escamoso que atrai a Cunhã. Alguns registros mostram que é produzido em dó(r) maior, assim pode alcançar uma propagação mais adequada no ambiente lacustre.



Referenciais bibliográficos

Encyclopedia Britannica. Edimburg, 1768.

Vocabulário técnico crítico de piscicultura e aquacultura amazônico. Santa Cêndida, 2011.

Pajé Yhanheunhunha de Monte Alverne. Encontro necrolálico gravado no escritório de Marco Maida em novembro de 2011.

Leopoldo ...,

Sasá, ...

domingo, 6 de novembro de 2011

CUNHÃ

Certa cunhã abaçanada vestida de corpete crepe decotado, deixando transparecer os belos seios, deambulava pela orla com seu catulo. Também a saia que vestia era transparente e curta, denunciando a ausência de outros panos. Alguns bilontras que curtiam livremente o cigarro de diamba, mal lhe deram atenção.  Mas um caiçara macilento e beiçola notou a boceta e pensou bifá-la. Afastou-se dos companheiros já brisados e seguiu a distraída moçoila ciciando uma canção álacre.  Quando em local propicio, sombreado e ermo, aproximou-se da manceba o bandalho, dando-lhe um corroscão por trás que a derribou. O ladino lançou-se sobre seu corpo, enquanto o pequeno catulo avançava-lhe  bramindo.  O cheiro almiscarado entorpeceu o bandalho que, esquecido da boceta, intentava abrir as pernas da jovem cunhã, ameaçando-a com um cutelo. O alardeio do catulo atraiu a atenção de um grupo de adventícios, que já viam em socorro da moçetona. Mas a mesma dispensava ajuda. Abrindo um belo sorriso e arregalando os olhos cerúleos, a rapariga demudou-se em uma boicininga dicefala e alada, que engolindo o sacripanta, alçou voou. O pequeno catulo, demudado em algo que não foi possível descrever correu para o mar e nele desapareceu. A boceta, um desadvertido a pegou e o podemos contemplar brônzeo na adentrada da orla onde se narra esta história.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

SE MORRE

A criatividade divina, para os que acreditam na criação, é imensurável. Basta olharmos atentamente para um jardim e encontraremos já considerável diversificação. Se atentarmos um pouco mais o olhar, observaremos que entre vermes, formigas, lagartas, besouros e joaninhas entre outros, a variedade é imensa. Considerando apenas o reino animal, que engloba desde um simples protozoário até o mais elaborado dos mamíferos, os biólogos, segundo li, calculam cerca de 1.300.000 o número de espécies. Estes dias eu me encantei com um simples verme ou inseto, não sei diferenciar uma coisa de outra, em meu jardim. Parecia um fio de cabelo curto, verde, que para se locomover se encolhia todo e em seguida e abria. Neste movimento sanfonico, ia o quase imperceptível animal. O reino vegetal é tão diversificado quanto o reino animal: se compõe de algas, ervas arbustos, arvores, flores que por si sós já me encantam. Mas o que isto tudo tem a ver com a morte?. É que o dia de ontém era propício a se pensar nisto. E conclui que, neste quesito, a criatividade divina é de uma diversificação também imensurável. Tá certo que os mais argutos, irão lembrar-me que a morte não é criação divina, mas fruto da desobediência humana. Tudo bem, aceitamos a tese. Mas que o criador aproveitou a deixa, isto lá ele fez! Se morre de câncer, e não existe um só tipo, mas uma infinidade de tipos de câncer. Se morre dos mais variados tipos de acidente. Um vizinho meu morreu com uma simples pedrada que o neto, brincando, lhe deu. Se morre derrepente, você deita, dorme e não acorda mais: não neste mundo. Se morre de amor, de susto, de prazer, de dor. Às vezes a alegria é tanta que o coração não aguenta. Um amigo meu morreu nos braços da amante. Como desejo esta morte! Já um outro, levantou, tomou banho, arrumou-se para o trabalho, sentou para tomar café... Ele ainda nem estava acostumado com a idéia de estar aposentado. Digo a meus alunos que não devemos ter medo da morte e sito-lhes um trecho de texto que li de Istvan Orkeny: “todos os nossos minutos pertencem à morte. Todas as nossas horas, os nossos dias. A unica coisa que não sabemos é qual será aquele instante dentre tantos, que ela haverá de escolher...” (A exposição das Flores). Então não devemos ter medo da morte, digo lhes, devemos ter medo de sermos matado dorosamente ou não e principalmente de matarmos. A criatividade divina não tem limite, no entanto não quero que se atribua à sua vontade, algo que eu poderia ter evitado. Evito morrer desnecessáriamente, evito morrer banalmente, evito morrer inconsequentemente, evito morrer. Sobretudo me educo a não ter sobre minhas mãos a morte acidental ou voluntária de um outro ser, porque eu aprendi e aceito que Deus se torna impotente ante minha liberdade e não pode responder pelos meus atos.   

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

FINADOS

Para Fábio Miguel


Não considero a morte uma ausência, porque os corpos desfeitos em cinzas ou re-misturados à terra, não nos abandonam. Eles convivem ao nosso lado, nos visitam em sonhos e mesmo enquanto caminhamos por caminhos que fizemos juntos. Quando meu padrinho morreu, ele foi velado em casa. As mulheres rezavam. Os homens ao redor da fogueira, contavam causos. Meu padrinho entre eles sorria-me. Tinha eu oito anos. Ainda o vejo de pito em boca, conversando com pai na varanda. Quando os moleques descem a rua em seus carrinhos de rolimã, entre eles está o primo, cantarolando Tim Maia. E tia Mailsa, ainda aparece-me entre as frestas de portas. Mas não são apenas pessoas que compõem meu universo. Leão, o vira lata de pêlos amarelos, ainda balança o rabo e saltita quando abro o portão. Tenho a impressão que é Bolinha, “esta cadela ordinária”, quem esconde meu chinelo. E tem manhãs que me desperto com o canto do Cardenal, o canarinho de tia Sabastiana. Tem ainda os brinquedos, os gestos, as situações, que visitam-me sempre. Carrego, por exemplo, uma flor, a primeira que dei acompanhada do beijo que tanto esperei e não veio. Às vezes a vejo entre as rosas de meu jardim. Acho graça. O Ipê amarelo já não existe mais. Mas não tem como passar por esta rua e não vê-lo. O cheiro de chuva trás sempre consigo o de bolinhos de trigo e café adoçado com rapadura. E o café que solvo tem este sabor. Vendo as crianças brincando, brinco com Salomé, a boneca de retalhos que tia Sabastiana fez para Naninha, como eu gostava daquela boneca mais que Naninha. “Homem não brinca com bonecas”, ralhava pai... Morrer é apenas um jogo de esconde-esconde. E Não somos nós que achamos nossos mortos, eles nos procuram.  Eu não saberia viver sem esta relação.   

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

EXERCITE O TEU OLHAR

“Nosso tempo é marcado pelo desaparecimento de todos os referenciais, e, portanto, pela dificuldade de orientarmos no pensamento”.  Adalto Novaes

A Mostra de Referências Cênicas de Suzano, em sua sétima edição, traz-nos um convite instigante: “exercite teu olhar”. E tal convite nos leva a uma reflexão sobre o olhar a partir de uma questão: de que olhar se espera o exercício e com qual fim se espera tal exercício. Sim, porque o olhar é multiforme. Há, por exemplo, o olhar de descrédito, como há o olhar de desdém e mesmo o olhar entorpecido, este olhar que vê as coisas sempre as mesmas. Há o olhar de relance, o olhar técnico, o olhar de desconfiança, o olhar curioso, o olhar de espanto. Há o olhar indignado e o olhar resignado, o olhar perplexo e o olhar encantado. Enfim, há olhares e olhares. Qual olhar, então, se espera seja exercitado? Por se tratar de uma mostra cênica em que se joga com os sentidos e as emoções, o olhar que se espera, mesmo considerando que “cada espectador traz uma situação existencial concreta, uma sensibilidade particular condicionada, uma determinada cultura...”, é um olhar que não dependa apenas da visão dos olhos, mas de uma interação dos sentidos às emoções capaz de conduzir ao movimento do pensar, que não se contenta apenas com a aparência das coisas, mas quer desnudar as coisas. Deste modo o que se propõe é um exercício de insubordinação ao instituído e dogmatizado. Pretende-se, portanto, um exercício provocatório.
Seja os sentidos seja as emoções são movimentos primeiros ao pensar, mas são movimentos que partem de fora; da relação com algo que lhes afeta. Qual é, então, o ponto, ou objeto de onde se propõe a provocação e, então; o exercício do olhar? Deste olhar, que diante do ambíguo: “a arte cênica é fundamentalmente ambígua”, procura conexões com o instituído, o real e o vivido. Isto eu colho de uma fala durante a abertura da distante 3ª Mostra: “O convite ao exercício do olhar o aponta para a cidade. Nossa terceira Mostra quer provocar o interesse pela cidade. É preciso provocar o olhar e excitar nossa percepção e compreensão da cidade”.

 Já há algum tempo escrevi uma carta aos artistas poaenses a este respeito e questionava-lhes sobre o nosso olhar sobre a cidade. Convocava-os a olhar para a cidade e dar-nos o que pensar, pois se não pensarmos a cidade, a cidade será espaço morto, entregue à fúria dos carros, à degradação e à falta de bom senso daqueles que a pretendem administrar. E quando a cidade padece, nós padecemos.

No entanto, parece-me, não temos tempo para olharmos para a cidade, não temos tempo para nos olharmos na Cidade. Falamos da cidade, da micro e da macro, como algo que não nos pertence, porque não a vemos como nossa, não nos vemos CIDADE.  Somos cidadãos, sem sermos com a cidade.

“Santo Agostinho dizia do tempo que ele é perfeitamente familiar a cada um, mas que nenhum de nós o pode explicar aos outros”. E Merleau- Ponty diz que “o mundo é o que vemos e que, contudo, precisamos aprender a vê-lo.O mesmo é preciso que se diga da cidade. Todos os dias acordo, abro os olhos e após uma serie de ritos, junto papéis numa pasta, passo a chave na porta e , ao abri-la, deparo-me ante a cidade. Vejo-a e ela me parece habitual, familiar, sempre a mesma.   E o que vejo é o mundo ante meus olhos, a cidade detém meu olhar. Suas casas, seus caminhos, suas portas, seus rios, tudo me atraem e dizem de mim. “No horizonte de todas estas visões ou quase-visões está o mundo que habito, o mundo natural e o mundo histórico”, como uma extensão de meu copo. E talvez por isso, a dificuldade em poder explicar a cidade. A cidade é extensão de mim e mais, é uma mentalidade, um estado de espírito, um complexo de idéias, atitudes, qualidades e sentimentos coletivos. É preciso, então, pensar a cidade pensando-nos cidade, compreendendo-nos nela, não como espectadores, mas como atores que a concretizam.

Provocar o olhar e exercita-lo a partir da cidade é mover o pensamento para além do habitual, do cotidiano, do senso comum; é movê-lo deste eu individualizado em que nos tornamos para assumirmos o que de fato somos: um com outros num espaço comum. Somente um olhar a este nível de profundidade nos dá pleno titulo de cidadão.

 É preciso olhar-nos cidade. E olhar-se Cidade envolve uma mudança de postura, é não permanecer indiferente a sua sorte, deixando-a a mercê de especuladores e administradores que a pensam apenas como palanque promocional.

Aqui o papel da arte, do artista. O artista, cômico ou trágico, concreto ou abstrato, realista ou romântico, é um provocador (de pró- vocare – chamar para fora; excitar; estimular). E a arte, dissimulando, nos faz ver as coisas, sem nos apresentá-las. Ela nos provoca, nos estimula a superar sua ambigüidade. Instigando nossa imaginação e nossa inteligência, instaura novas possibilidades e novas exigências interpretativas. Com seu modo de proceder e fazer o artista aguça nossa sensibilidade, remete-nos às nossas incertezas e nos exige novas posturas. Ao vincular-nos à cidade, espaço de convivência, onde me percebo membro de uma comunidade orgânica, olhando-a ativamente, constato que mantemos uma relação singular e não posso assisti-la como mero espectador.

Este, portanto, parece-me ser o caminho a que nos conduz a Mostra de Referências Cênicas de Suzano: Provocar o olhar a partir da cidade, para olhando-a, perceber cidade e humano não se sobrepondo, mas fundindo-se um ao outro, ressonando em seus aspectos de diversidade e intensidade um no outro, realidades indissociáveis, tornando-me responsável por ela, tornando-a não apenas minha, mas algo de mim.

INSIGHT

O copo, a faca, a cadeira, eu sentado olhando pessoas passarem, irem, virem... A imagem assoma à mente: “Ele larga o copo, pega a faca, levanta bruscamente da cadeira, avança... o corpo caído agoniza...” Dou um nome a “ele”? Deixo “ele” mesmo? O mesmo acontece ante a televisão. O jogo, o locutor, o comentarista, a cortina que estremece com a corrente de ar. A imagem que se forma não tem a ver com o contexto. É uma recordação distante, sem motivo pra ser naquele momento. E o que se assoma em seguida não acompanha a memória: “Janaina, morena de corpo esguio, seios pequenos, firmes, lábios carnudos está no banho e João a observa e se masturba. João sente a pele úmida e quente de Janaina à sua... Janaina desconfia, corre a mão suavemente pelo corpo, massageia o clitóris... João sente penetrando-a...” O locutor preenche o ar com o grito de gol, volto ao jogo, ao locutor ao comentarista...  

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

O DEPILADOR

Carmem contou que Ayrton Senna começou a ter aulas de música com o espírito de John Lennon. “O Ayrton foi se especializando, mas o John não dava aulas só para ele. E uma das primeiras músicas que ele fez foi para Xuxa”*.

Quando criança eu li a história de um bandido que roubava calcinhas. Ele abordava suas vitimas, as imobilizava e roubava-lhes a calcinha. O crime só veio às paginas dos jornais, porque uma das vitimas, esperando mais que a simples perca da peça sentiu-se frustrada. Ela nutria certas fantasias e quando abordada pelo bandido, acreditou que estava prestes a realizá-las. Mas quando percebeu que o sujeito, após subtrair-lhe a calcinha saiu em disparada, sem nem mesmo tocá-la, se indignou, subindo-lhe um furor jamais sentido. “Deu pena”, disse o delegado, “do meliante”... Porque estou a lembrar-me desta banalidade? É que o sujeito em seu depoimento dizia agir por intersecção de um espírito. Eu nunca acreditei nestas coisas e sempre que alguém me dizia ter composto algo ou realizado algo por intercessão de algum espírito eu lembrava-me deste fato. Um outro fato é o Rubião, um traquineiro que morava próximo à minha casa. Tinhamos muito medo de Rubião, que aproveitava para tirar-nos dinheiro e merenda. Certa feita, chamada na escola, a mãe disse que Rubião era o que era, não por ele, mas devido ao Zé Pilintra que o incorporava. Eu sei que eu tinha medo de Rubião e o evitava. Um dia o amarraram no poste e deram uma surra nele. Os irmãos Lee aproveitaram a visita de uns primos. A mãe foi reclamar. “Não foi no Rubião que batemos não, tia. Foi no Zé Pilantra”. O certo é que Rubião e a irmã dos Lee formam hoje um belo casal. Então eu achava graça destas histórias de intercessão, possessão, psicografia e coisas do gênero. E quando o padre disse que não era ele, mas o Cristo que ouvia minha confissão, eu ri e disse-lhe: “padre, eu confesso: Sou o Jack Estripador”. Eu não acreditava nestas coisas. Repito, não acreditava. Mas, nada melhor que morrer para que as coisas se esclareçam... Coitado deste sujeito, como ele irá convencer os seus que quem o possui é um espírito que teve aulas com Jack, o Depilador. Com o outro já não tinha mais vaga, e a fila de espera chega ao próximo século...


A CASA DA ESCRITORA

A casa da escritora é aquela cujas luzes se acendem às 3h às 4h às 5h ou às 6 da manhã quando as ideias emergem dos sonhos...

A casa da escritora tem cheirinho de café...

A casa da escritora tem cortinas que se pode ajeitar de muitas formas, com forro, sem forro, aberta ou fechada para compor diferentes tons de sombra que submergem a sala, o quarto ou o escritório em cenários propícios...

A casa da escritora tem a louça por lavar...

Tem a roupa por passar,
Tem a cama por fazer.

Tem uma mesa atulhada de papéis, tem barulho de ópera, de máquina de escrever, de sininhos de micro-ondas que aquecem a água para o chá;

Tem barulho de dedinhos em teclados macios, vozes de cantores e cantoras, tem jornal no banheiro, caça-palavras, dicionários de sinônimos.

Tem vinho, lenço de papel, tapete e luminária, tem estantes de histórias enfileiradas, empoeiradas e carregadas.

Tem um caminho de Swann perdido sem ser lido até o fim, tem Clarice sentada à sombra, tem Luiza Bombal sonambulando até a janela com longas tranças negras... Tem Clarissa correndo no jardim, tem uma televisão desligada, apoio para o pires com misto quente.

A casa da escritora tem sempre um personagem travesso, perdido entre o banheiro e a cozinha, escondido no porão, que fala palavrão, que mata o dragão, que salva a mocinha ou que se mata no fim.

A casa da escritora sempre tem um arsenal de xícaras perdidas e com açúcar sobrando no fundinho...

A casa da escritora é um charme a parte.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

A CENA

Apenas vi a cena do crime, lembrei-me do Fuinha, menino de quem mamãe cuidava. Ele gostava de recortar imagens de revistas e colocar as partes uma ao lado da outra, mas: a perna esquerda no lugar do braço direito, o braço direito no lugar da perna esquerda e assim em diante. Geralmente a cabeça ele a colocava no lugar do pênis quando se tratava de figura masculina. Quando se tratava de mulher a cabeça desaparecia. Enquanto ele fazia isto com figuras de revistas, achavamos graça. Quando, porém ele começou a esquatejar as bonecas de Carolyne, a confusão se armou. Certa vez Carolyne chegou a cortar-lhe o dedo, a ponto de quase arranca-lo fora. Ele depois disto, ficou um bom tempo sem aparecer, mas como a mãe precisava trabalhar e não conseguia niguém para ficar com ele, mamãe o assumiu novamente. “Se ele tocar em minhas bonecas eu o retalho”, gritou Carolyne, assim que a mãe o deixou no portão... A coisas correram tranquilo durante um bom tempo, até que o gato da vizinha apareceu esquartejado... Ele e a família tiveram que sumir às pressas. O vizinho prometera morte... Fazem já trinta anos que tudo isto ocorreu, mas a cena do crime trouxe-me à mente Fuinha. Diante de mim estava a sua assinatura. O corpo de mulher esquartejado com os membros em posição contraria e ausente de cabeça; eu tinha plena certeza de ser ele o autor de tal brutalidade... Liguei para mamãe para saber se ela recordava o seu nome e se tinha alguma informação a seu respeito, uma vez que a mãe e mamãe eram muito próximas. Foi então mamãe quem disse-me de sua troca de sexo e que quem o tinha encontrado recentemente fora Carolyne...
Na delegacia Carolyne explicou que o gato tinha sido apenas um teste... Quando perguntei-lhe da cabeça, ela me levou até a boneca: “Eu havia avisado!”

sábado, 15 de outubro de 2011

Não tenho um projeto para meus filhos, quero ensiná-los a se projetarem.

No futuro vou ensinar a meus filhos a história de sua mãe. Será uma história, a princípio, mítica: a mãe será, então, uma deusa ou heroína, e o mundo seu mundo sagrado. Vou desenhar para meus filhos imagens de mistério e encanto. À medida que eles forem entrando na idade da razão vou lhes ensinando a mãe com os critérios de humanidade, para que eles a entendam não apenas mulher. Não os apressarei de uma passagem à outra. Vou contar-lhes também a história dos avôs: serão totens, anciões sagrados, homens sábios. Ensinar-lhes-ei a dor e a morte como caminho sagrado, porque é mistério.  Vou ensinar a meus filhos os tios e tias. Então, vou contar-lhes a história destes grandes homens e mulheres: Geraldo, Luciene, Marco A Senna, Lidiane, Cristine Dutra, Zulene, Marco Maida, Lygia, Elvis... Marcos de humanidade, que muito contribuíram para a formação de meu espírito e para uma cultura que ainda virá. Quero que meus filhos saibam deles como heróis e como pessoas encarnadas de ideais eternos. São “Quixotes” e “Franciscos”, “Zumbis de morte Severina”, como diz o poema. São homens e mulheres que batalham, lutam, que quero ensinar para meus filhos. Quero ensinar-lhes o que há de melhor, para que em seu futuro eles tenham de onde partir para suas escolhas mais fundamentais. No futuro vou ensinar para meus filhos o voou que compete só ao homem dar. Vou ensinar a meus filhos, na idade certa, que é preciso torna-se adulto e amadurecer e caminhar resoluto, fronte erguida, mas, serena. Quero que meus filhos vençam não com armas e punhos cerrados, mas com as mãos futuras e solidarias. No futuro quero que meus filhos se projetem.
http://www.youtube.com/watch?v=YtwfQk3nO9o

domingo, 9 de outubro de 2011

A Cultura em Suzano na ùltima Decada

Olá Amigos!

Dia 26 de outubro eu, Marco Maida, Lygia Canelas e Helcio Lopes, estaremos da Jornada Unisuz, para falar de Cultura, abordando "A Cultura em Suzano na última Decada". O encontro será as 19h. Procurar a sala 35B, piso 1.

http://www.jornadaunisuz.com.br/Detalhes-137.aspx

sábado, 8 de outubro de 2011

O VALOR DE UM PRESENTE

Meu nome é Almerinda de Souza Lemos, mas ninguém me conhece por este nome. Eu mesmo dou-me a esquecer chamar Almerinda. As pessoas conhecem-me por dona Doca. Não me perguntem o porquê, sei apenas que desde sempre as pessoas, e eu mesma, chamam-me Doca. Teve até um fato engraçado, porque um moço parou-me na rua, e eu ia apressada, e perguntou-me, dona posso fazer-te algumas perguntas e mandou a primeira antes mesmo que eu assentisse: “qual teu nome?” Doca, respondi. “Doca do que, dona?” Continuou ele. É Almerinda, tentei corrigir. Mas ele já vinha emendando um comentário: “diferente o nome da senhora!”, e partia para a terceira, quarta e quinta perguntas uma seguida da outra, que quase não sabia o que responder. E lá se foi o meu nome naquela pesquisa como Doca Almerinda. Então é assim, não adianta procurar-me por meu nome de batismo. Sou Doca e pronto. Tenho 60 anos, tenho quatro filhos, um junto a Deus, que nos deixou ainda não tinha pecado não. Os outros estão aí bem formados, pessoas honestas como sempre fizemos questão de educá-los. São dois moços, um mecânico e outro eletricista, e uma menina, que este ano Deus querendo termina a faculdade de psicologia. Demos um duro danado, mas ver os fios encaminhados é uma benção de Deus.  Tenho também oito netos e, logo logo, uma bisneta: Ana Carolina.
            De minha infância guardo muitas lembranças, mas a que mais me agrada recordar é a de minha primeira boneca.
            Nasci de uma família humilde, no interior de São Paulo, Cruzeiro. Meus pais eram sitiantes e além de mim tinham outros cinco filhos, três homens e duas mulheres. Eu era a terceira na ordem de nascimento, a primeira entre as meninas.  O sitio não era nosso não, nosso pai arrendava um pedacinho de lavoura nas terras de um italiano de São Paulo, que vinha uma vez ou outra passar uns dias na casa sede. Nós morávamos numa casinha pau a pique como outros colonos. Eram três cômodos de chão batido e um banheiro externo. Pois bem, não tínhamos muitos brinquedos não, e os poucos que tínhamos eram quase todos frutos de nossa imaginação. Assim muitas de minhas bonecas eram de sabugo de milho ou retalho torcido e amarrado com cipó. Mas um tio, irmão de mamãe, veio de São Paulo nos visitar. Era por época do natal. E ele então trouxe lá alguns embrulhos em papel pardo parecido com estes de cimento e amarrado com um cordão grosso de algodão. Foi uma festa aquele dia. Eram presentes que ele mesmo havia confeccionado. Para meus irmãos carrinhos de madeira sem muito acabamento e para mim e as meninas umas bonecas, duas de pano, parecidas com umas da venda do seu Augusto e que as meninas com um pouco mais de condição tinham. Uma outra feita, como ele dizia, de papel machê, ensinando como fazer: “você pega uns pedacinhos de papel deixa dormir dentro d’água e depois acrescenta um pouco de farinha e ferve um pouco... etc e tal”.
Pois coube a mim tal boneca. E a principio fiquei fura da vida. Era uma boneca toda assimétrica, um rosto rústico, parecendo maracujá, a perna direita mais longa, o braço esquerdo mais curto, os olhos opacos e um cabelo de lã num amarelo gema que nunca vi. Era um horror de boneca. E durante muito tempo, ficou lá, jogada num canto, preterida. Preferia brincar com meus sabugos e torcer meus retalhos e amarrá-los com cipó. Aos pouco, porém, por curiosidade, aproximava-me desta boneca. E por curiosidade comecei a amassar papel com farinha e a moldar, eu mesma, minhas bonecas. E as primeiras eram tão horríveis quanto a minha. Só compreendi a sua beleza, quando trinta anos depois, descobri entre as coisas de minha irmã caçula minha primeira boneca de papel machê. Perguntei-lhe porque ainda guardava aquilo. Ela respondeu-me: “porque foi um teu presente e me foi dado de coração, pois era tudo o que você podia me dar”. Naquele mesmo dia fui visitar meu tio e agradecer-lhe. Quase quarenta anos depois eu tinha aprendido o valor de um presente.


Amoris Mater

Estávamos na varanda e riamos das piadas do Arthuro. Minha irmã chegou com Lidiane nossa prima e Aretma, uma amiga de Lidiane. Foi atração a primeira vista. Enquanto todos se interessavam por seu nome, minha atenção era por toda ela.  Fiquei a noite “pagando pau” pra aquela mulher de sorriso tímido e olhar receoso. Aproveitei quando ela perguntou pelo banheiro e com a desculpa de ir buscar outra cerveja me propus indicar-lhe o caminho. O pessoal, que já havia sacado meu interesse, fez alguns gracejos. Mas Logo após ter ido ao banheiro, ela se despediu.  A zoação com minha pessoa, então, rolou o resto da noite... Aretma, no, entanto, saia de minha cabeça e, por intermédio de Lidiane, eu a contatei e marcamos um encontro. Deste encontro em diante, a diferença de idade entre nós não foi empecilho para criarmos uma afinidade e intimidade de dar inveja a qualquer casal. Mulher madura, Aretma tem pele morena como a minha, olhos claros, nariz miúdo e lábios finos; um belo corpo: seios médios, coxas bem torneadas, uma bela bunda...  Eu mais jovem, sou baixa, e não me acho bonita de corpo: meus seios e bumba são muito grandes. Podem agradar aos homens, mas a mim não... Na cama funcionamos muito bem e nossas fantasias não têm limites. A habilidade de Aretma com certos jogos é de dar inveja, um homem não me daria maior prazer. Mas, embora nossa relação seja intensamente compartilhada, pouco sei sobre a vida de Aretma, que evita falar de sua infância e adolescência. Para ela o passado não existe. Além disto, sua personalidade altera quando lhe falo em adotarmos uma criança. Aretma se perde dentro do próprio olhar e fica semanas assim... Queria entender o porquê, mas é inútil qualquer tentativa. Aretma se fechava a sete chaves e insistir no assunto só a torna mais reclusa em si mesma. O jeito é dar tempo ao tempo. Para mim, Aretma é minha razão de ser, perdê-la é perder qualquer motivação..., não saberia viver sem ela...  Certa vez, aqui começa meu conflito, enquanto Aretma tomava banho, fuçando em uma gaveta encontrei uma pasta com alguns recortes de jornal. Tinham mais ou menos a minha idade. Quando perguntei a Aretma o porquê daqueles recortes, ela subiu pelas paredes de raiva e só não me matou por um triz... Ficamos semanas sem nos falar. Foram os dias mais tenebrosos de minha vida, cheguei a tomar uma dose excessiva de um remédio... Passada a tormenta, sem tocarmos no assunto, reatamos e eu me comprometi a não mais mexer em seu passado... No entanto, mamãe, que nunca aprovou minha opção sexual, há algumas semanas, faleceu, e minha irmã, organizando suas coisas, encontrou uma espécie de dossiê a meu respeito. Quando, abri a pasta que minha irmã me entregou, o choque foi imediato. Eram os mesmo recortes de jornal que havia encontrado na casa de Aretma.    

“Recém nascida é encontrada em lixeira”

“Pedreiro resgata recém nascida de Lixeira”

“Recém nascida em lixeira deve ficar com família do pedreiro que a encontrou”

“Polícia não tem pistas sobre mãe de recém nascida em lixeira”

Eu já não sei mais viver sem Aretma e se ela não sai deste coma: Ela não terá coragem de me abandonar novamente, ela não fará isto comigo. Eu não sei viver sem Aretma... Eu não sei viver sem Aretma... Eu não sei viver sem Aretma... E se ela não sai deste coma? ...

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Doctor sapientiae

Recentemente, entrei num bate papo sobre a importância do uso das novas tecnologias na produção e acessso ao conhecimento. Na verdade a discusão deveria ser outra, mas descambou nisto, só porque eu afirmei que o Face book é como um botequim. A única diferença é que os amigos não precisam me carregar pra casa (a esposa agradece), nem aguentar meus arrobos de bravura depois do terceiro copo. Pensando bem depois, eu acredito que o Face substitui bem a psicanalize. Nele podemos falar tudo: “estou no metrô!”; “Vou tomar banho!”; “Meu cachorro está latindo!” Ou apensas rir: “rsrsrsrsrsr”, “kkkkk...”. Fazemos isto espontaneamente. Não esperamos resposta alguma. E eu gosto disto, é isto que me torna um Facedependente. Fora isto eu acredito que as novas tecnologias e principalmente o acesso à internet sejam ferramentas fundamentais em nossos dias para o acesso e produção de conhecimento. E como conhecimento é tudo, parodiando Foucalt: é poder. Resolvi, na manhã de hoje, ampliar meus saberes.
Logo de cara fico sabendo que em “Fina Estampa”, o marido  de Susana Vieira faz magica para redecorar casa de tia Iris. Veio-me a primeira Dúvida: Não foi o marido de Susana Vieira quem se matou recentemente? Resolvi deixar esta lacuna em meu saber, a compretaria posteriormente, pois outra informação atirou-me a atenção. Ela diz que Chael Sonnen ( quem é este? Pergunto-me), é odiado pelos brasileiros, a ponto de ter vetada sua vinda ao país para o UFC Rio, em agosto. UFC, do que se trata? Anotei as questões e corro a ler que: Allison Stokke uma atleta de salto com vara, norte americana, viu sua vida transformar-se devido a uma sua foto que circulou em 2007 pela internet. Foi um amigo que a avisou que a foto em questão se espalhara pelos computadores norte-americanos. Taí uma das belas façanhas da tecnologia.
Ainda no campo dos esportes, vocês sabiam que a comunidade da Cidade de Deus, no Rio de Janeiro (RJ), foi confirmada como sede do Jungle Fight 33, o maior evento de MMA da América Latina. Puxa vida, quanta coisa eu ignoro MMA, o que é isto?
Mas, continuando meu percurso formativo, dedico-me ao cinema e fico sabendo que o Festival do Rio terá cerca de 350 filmes divididos em 18 mostras, entre eles “Espiral”, de Paulo Bons. “Espiral é um Filme-Cabeça (o que isto significa?) e narra, em um mise-en-scène (devo consultar o dicionário) em tempo real o encontro de sete desconhecidos em uma casa que ninguém sabe de quem é...”
Ainda na sessão cinema, na pagina que mais gosto, leio que: “A indústria pornô nunca esteve tão Nerd!” É que uma produtora erótica promete fazer o primeiro filme pornô 100% nerd. Fico imaginando o que deva ser um filme pornô Nerd. Mas já serve como resposta para quando te perguntarem: “o que você tanto faz na internet?” “Amplio meus conhecimentos, baixando pornô 100% nerd.”
Para não ficar só em coisas muito profundas, passo os olhos pelas paginas de ciência, e leio sobre os cientistas ganhadores do Nobel. Depois que “Cientistas conseguiram, através do uso de um scanner e um computador, “ler” imagens do cérebro de três pessoas que assistiram a um filme previamente. O procedimento conseguiu reconstruir imagens borradas que remetem às originais vistas no filme”. Os pesquisadores esperam tornar, em breve, tais imagens nítidas. Poderemos, enfim, gravar nossos sonhos e assisti-los na manhã seguinte (tirem as crianças da sala). Leio também que “Uma substância química encontrada no vinho tinto pode parar o câncer de mama, de acordo com uma nova pesquisa. Os testes em laboratório mostraram que o resveratrol, encontrado na casca da uva, poderia impedir o desenvolvimento da doença, bloqueando os efeitos do hormônio estrógeno”.
Meu percurso formativo acaba com uma sessão de filmes no Youtube: um cachorro, surfando, um sujeito gordo de esborrachando em uma piscina plástica; uma menina se esborrachando ao imitar a Byonce; um bebê que não sabe se chora ou ri, um bando de bêbados querendo um dá para o outro, mas fazendo proveitosos discursos em um reality show...
Bom, depois de tanto conhecimento adquirido, acho que posso permitir a meu compadre chamar-me Doctor sapientiae.
Tudo isto deu fome. Vejamos o que nos sugere as páginas de culinária.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Όνειρο (Oneiro)

... Ela apareceu-me com feições de criança, mas eu sabia ser uma jovem por quem nutria certo interesse. Quis consultar as horas. Não achei o despertador. Talvez estivesse caído embaixo da cama. Às vezes acontecia. Fechei os olhos, tentei retomar o sono. Uma destas canções que tanto atraem os jovens preencheu o quarto. Ela desnudava-se ao seu ritmo. Toda nua, abriu a janela do quarto, e uma brisa fria o invadiu. Aproximou-se de mim, imóvel em minha cama, eu evitava olhar para seu corpo. “Eu adoro sexo oral e você?”, selando um beijo em meus lábios. De imediato queimei de volúpia. Ao mesmo tempo, certa repugnância me imobilizava. Era uma criança. Como eu não me movesse ela subiu sobre mim, abrindo as pernas sobre meu rosto: “ser chupada me leva às nuvens e tu o fazes tão bem”. O seu cheiro era inebriante, estava prestes a ceder... O despertador logo me trouxe a realidade. Tomei um banho, o café, preparava-me para sair: “Não vai à escola hoje não”. Virei em direção ao quarto: “Eu não sabia que meu irmão transava tão bem”... Já não tinha mais certeza alguma... Talvez eu ainda durma.


domingo, 2 de outubro de 2011

Por que publicar?

O que sei é que não estou aqui para me comparar. Eu não poderia me comparar aos anos de experiência de vida e profissão de outros grandes autores. Mas todos começam um dia. Comecei a pensar em não recear a palavra "escritora", porque no dicionário tudo é muito simples: escritor é escritor oras.

es.cri.tor
sm (lat scriptore) 1 O que escreve. 2 Autor de composições de qualquer gênero literário. Col: plêiade (...) [Michaelis]

Porque não publicar? Porque privar a comunicação que os textos tanto anseiam? Por que a vaidade? A vaidade de não publicar. O medo das críticas, das opiniões e reações. Isso me faz lembrar a Semana de Arte Moderna de 1922. Ainda bem que seus participantes não voltaram atrás e nos privaram de suas obras. Lembro-me da primeira vez que li “Serafim Ponte Grande” (Oswald de Andrade, 1933) e fiquei encantada com a ousadia do texto e com a sua criatividade, e achava horrível ter que aguentar meus colegas achando um saco sermos obrigados a ler essa obra para uma prova. Eu me diverti muito. A partir daí comecei a ler James Joyce, Machado de Assis, Clarice Lispector, Jean Genet, e a vontade de escrever que ainda manifestava-se de maneira muito tímida se apoderou de horas e horas em que eu me trancava no quarto. “Infarto Repentino”, “Reflexos”, “Candinho...” entre outros, nasceram nessa época do “colegial”, e eu aguardo até hoje a coragem de deixá-los que falem por si mesmos.

Quando imaginei o livro em minhas mãos, como uma pequena caixa de oportunidades, tentei vislumbrar todos os sorrisos, emoções, descasos, indiferenças, risadas, lembranças, viagens que os textos poderiam proporcionar hoje e daqui mil anos. Uma vez escrito, ele permanecerá. O livro, a palavra, são organismos vivos e criam seus próprios caminhos e relacionamentos. Meu papel vai até aqui. Escrevo.

Os processos individuais de aprendizado e evolução são eternos. Sempre imaginei os livros ou as obras de arte como criações aladas, filhos que soltamos no mundo. Sozinhos, eles seguirão caminhos diferentes, e não escolherão, serão escolhidos. Propor um universo diferente, um novo estilo de escrita e novas provocações são sempre tarefas difíceis, mas ser diferente e ter personalidade também são, e é sempre um risco ser você mesmo. Esse livro é ele mesmo, é todo ele próprio. Mas em coragem, pulou, atravessou a linha.

É preciso muito cuidado com a ignorância e arrogância, mas os verdadeiros arrogantes não tomam conhecimento de que o são e estão pouco ligando. De qualquer forma tudo que é muito fácil é chato, não tem valor, então os chatos são bem-vindos. Os críticos produtivos, com a mente aberta, bem educados e que tenham sensibilidade, com certeza serão ouvidos e levados a sério, e os leitores em busca de companhia que apreciarem Vestígios serão sempre as abelhas e pássaros que levarão o pólen consigo depois de uma leitura e permitirão inspirações diversas, sementes e possibilidades. Os críticos que adoram citar, citar e citar, e que não conseguem abrir a mente para o novo, desses, eu tenho dó.
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"A crítica, por estar atrelada à cultura predominante do momento e à máscara social que oficializa e define sua estética da moda (ou à capacidade média de compreensão social limitada pela mídia massificada de mercado), não poderá nunca entender a surpresa criativa da inovação, que geralmente surge dessa psique (alma em torno de seu estado amoroso) do artista na tentativa de romper a máscara do modismo e do estilo agradável ao consumo." (trecho de avaliação de Vestígios, por José Carlos A. Brito (Brasil, 1947). Poeta e articulista. Autor de livros como O Nascimento do Mundo, Poemas do Amor Quebrado (prêmio pela Academia Internacional Il Convívio da Itália) e Romance de Meiga e Sátiro.


Em uma época de blogs e sites, porque publicar um livro impresso?

O livro impresso persiste em sua existência e, em minha opinião, a qual compartilham outras figuras da literatura e do ramo editorial, o livro impresso não deixará de existir. O próprio formato físico do livro impresso é prático para ser lido e manuseado em um ônibus ou trem, não precisa de bateria nem de energia, ele por si funciona toda vez que é aberto. Há quem aprecie o cheiro, o tato, as diversas possibilidades de edição (capa dura, mole, grande, pequeno, grosso, fino etc.). Sou uma dessas apreciadoras da relação tato e olfato que podemos ter com os objetos, mas principalmente com os livros.

O livro resiste há séculos e compartilha sua existência com as outras tecnologias, além de garantir o acesso aos grupos sociais diversos que podem ou não comprar aparelhos eletrônicos que permitem a leitura de arquivos e e-books.
Gosto da tecnologia, e talvez um dia eu até compre um tablet, eu tenho um blog com alguns contos publicados, mas acredito que o impresso e o digital precisam coexistir. Cada suporte atende a um público específico com necessidades peculiares que não são fixas.

Compartilho meu aprendizado e jornada literária com vocês e agradeço o respeito, o prestígio e por terem aceitado o convite da visita a um universo novo que não pressupõe um novo deus nem uma nova humanidade, mas pontos de vista diversos em uma paisagem tão íntima, feminina e humana. Podem entrar... mas por favor, limpem os pés.

Lygia Canelas