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terça-feira, 22 de maio de 2012

Tandara

Não queria vir direto pra casa. Voltar pra casa tem sido a última de minhas vontades. Desci então decidido a tomar uma ou duas cervejas. Fui  no Beirute, geralmente o Adair está por lá.  Pedi uma Vodka. Um grupo de alunos chegou logo em seguida, iam comemorar o aniversário de um deles. “Professor!... O senhor aqui?”. Tandara, uma moreninha, esguia, olhos esverdeados. Uma que senta no fundo, quase não fala, está sempre com aquela outra menina, a Patrícia, aquela que você vive dizendo: “está menina não vem pra escola, vem fazer ponto”... Tandara sentou-se do meu lado: “Senhor bebe pinga?” “Não é pinga, é Vodka”, respondi. “Uma cerveja na conta do Borges”, pediu um dos meninos. “Desculpem-me, mas eu não pago bebida para alunos!” “Não é o senhor quem diz que só é professor na escola? Então, nós só somos alunos na escola!” Tandara sorriu-me: “aqui somos Tandara e Borges”, tomando meu copo e bebelicando: “brhuuu!”. Senti o toque de sua mão sobre minha perna: “É forte né, desce queimando!”. Apenas sorri-lhe. “Nossa!” “O que ouve?”, perguntei-lhe. “O teu olhar, senti-me toda dentro dele!”, respondeu-me. “Vê, estou toda arrepiada!”. Pedi a conta. “Já, nem chegamos!”, Tandara desaprovava-me, fazendo beiço. Preciso ir, amanhã tenho uma turma pré-vestibular. Paguei a conta, deixei duas cervejas pagas, sai. “Então, até uma próxima vez Borges”, com uma inclinação de voz, que pareceu-me um convite. “Até quarta! Não bebam muito, não façam besteira!”... Vinha pensando naquela cena com Tandara, a sua atitude me surpreendera. Não era a mesma Tandara do segundo ano, que se anula num fundo de sala... Senti passos me acompanhando, virei-me uma duas vezes, mas não vi ninguém... Eu devia ter continuado em frente e vindo pra casa. Voltei ao Beirute: “eu sabia que você ia voltar!”, sorriu-me Tandara com um copo de Vodka.

domingo, 6 de maio de 2012

SITUAÇÕES CORRIQUEIRAS


A densa neblina não nos permitiu ver bem. Ouvimos apenas o baque seco. Quando percebemos o corpo estava lá estatelado. Nunca ficou provado o suicídio de Lux Aphonso. Durante anos cogitou-se crime passional, mas também nada se comprovou. O prefeito de plantão alegou perseguição política, que ele e a primeira dama tinham uma sólida união, e que: “jamais”, embora Lux Aphonso fosse seu chefe de gabinete, “tive qualquer contato com este infeliz. Categoricamente: eu não o conhecia”. A primeira dama também, em prantos, durante uma memorável entrevista, negou qualquer conhecimento do “sujeito”. “isto é intriga da oposição, que para atingir ‘Lauzinho’, maculam nossa bela história de amor”. Mas quando lhe perguntaram como ela poderia não conhecer Lux Aphonso, uma vez que estudaram na mesma escola e mesma classe do ensino fundamental ao termino do médio: “Ele devia sentar no fundo, eu era muito aplicada e estudiosa sabe, só prestava atenção aos professores”.   Ao fim passou-se por acidente. Devido a densa neblina Lux Aphonso não percebera a barreira de proteção e, por descuido, voo do décimo quinto andar. O que não ficou esclarecido é o que ele fazia àquela hora da noite em um prédio em construção e o que significava aquela peça de langerie em sua boca. Mas tudo me parece mais confuso agora, pois posso jurar que acabo de ver sair deste motel, em fim do mundo, Lux Aphonso de braços dado com – porque eu não tenho uma câmara. Todo mundo tem! – ‘Lauzinho’, que até hoje não explicou onde foi parar os recursos para o hospital municipal, que esta com as obra por finalizar desde que Lux Aphonso ali foi encontrado estatelado.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

A Lei de Newton

Abro os olhos e incauto percebo que as coisas se mantêm em ordem. As leis que as regem se mantêm. O copo cheio pela metade, não se esvaziou por todo: não pode! O liquido que o preenche pela metade não se avoluma e o transborda: não pode.    O relógio marca as horas e avisa-me o correr do tempo.  E tenho pouco tempo, alguns minutos apenas. Sento-me e levando os pés ao chão tateio-o buscando os chinelos no exato lugar em que os deixo todas as noites. Ligo a rádio e o locutor informa que é feriado e haverá sol: “A chuva parece ter dado um tempo, para quem vai curtir o feriado, o dia será de sol”... segue a canção...: “a sensação do momento...”. Alcanço com os pés os chinelos, calço-os e levanto-me. Abro a janela e a brisa fria da manhã invade o quarto, arrepia o corpo. Esta tudo em ordem, nada foi revogado. A natureza mantém suas regras... Tomo o copo verso o liquido que o preenche pela metade no ralo da pia. O liquido como se deve esperar escorre para baixo e aos poucos some ante meus olhos. Lavo o copo e o encho de água. Verso a água na cafeteira, coloco-lhe também o filtro e o café. Ligo-a, sua luz ascende e em segundos seu rumor característico me informa que está tudo em ordem.  O relógio não para, o tempo escorre e não o vemos. Tenho pouco tempo, tempo de tomar correndo um café. Visto-me às presas, tomo de uma golada só o café, desço as escadas correndo, por pouco perco o ônibus. Esbaforido sento-me e respiro aliviado. Afora o feriado, que trás um pouco de tranquilidade à cidade, nada está fora do lugar: “terá desfile, pronunciamentos, programas especiais, sorteio de brindes, manifestações...”. “Na noite passada”, leio de relance no jornal de um cavalheiro, “a polícia encontrou mais um corpo de mulher esquartejada próximo ao Parque das Nações. Segundo informou o delegado responsável pelo caso, ela tinha tatuado no corpo a lei de Newton: “Dois corpos não cabem no mesmo espaço”. É o quarto corpo encontrado nos últimos vinte dias com tatuagens similares. A polícia suspeita...”. Não consegui ler mais nada. Só ouvi o murmúrio do cavalheiro: “este mundo está perdido. Só Deus o pode salvar...” Levo a mão ao bolso, encontro a caneta e o bloco de anotações: “A energia não pode ser criada nem destruída: a energia pode apenas transformar-se”, anoto. Tiro do bolso o canivete e brinco com ele.


terça-feira, 1 de maio de 2012

ANUNCIAÇÃO

Teus olhos melancólicos acompanhavam o cair da tarde, a fina garoa banhando o gramado e encrespando o lago, os passos apresados de um casal indo para o ponto de ônibus. Eu lia Hölderlin de uma tradução inglesa…

 “And when Nature appears to sleep at some seasons,

Either in the sky or among plants or nations,

So the aspect of poets is also mournful.

They seem to be alone, but their foreknowledge continues.

For Natures itself is prescient, as it rests.”…

                                                  E quando a Natureza parece dormir em algumas estações,

                                                  Seja no céu ou entre plantas ou nações,

                                                  Assim, também o aspecto dos poetas é triste.

                                                  Eles parecem estar sozinhos, mas a sua presciência continua.

                                                  A própria Natureza é presciente, quando repousa.

Do apartamento ao lado vinha o aroma de café coando. “Vamos ao Capuccino?” Me perguntou. “Deu-me vontade de tomar café e comer daquelas brioches recheadas que eles vendem”.

                                                  “Toda criação, a Natureza sente o entusiasmo de novo,

                                                    De Um-eter do abismo,

                                                   Como quando ela nasceu do Caos santo,

                                                   De acordo com a lei estabelecida”, recitei-te.

Beijastes-me os lábios com ternura: “Eu te amo! Sabia?”... “Então, vamos!?, sorrindo me ternamente.

O Capuccino está sempre cheio, a esta hora é dificil encontrar um bom lugar. As brioches estão, como sempre maravilhosas, pareces uma criança diante de uma panela de doces...

É saboroso contemplar-te assim quando não te esvai, vagando o olhar por entre as pessoas e as coisas, procurando-lhes elos. “Eu gosto de dias assim”, dizes-me, “em que as pessoas andam encolhidas, esfregando as mãos, estalando os dentes... perdemos um pouco da arrogância, percebemos melhor a importância das coisas, de um afago, um abraço...”  

Proponho-te caminharmos pela ladeira dos bancos e passarmos pela Galeria. Você se enlaça a meu braço sob o guardachuva: “Só se me pagares um churros!”

“Acabas de comer dois brioches recheados”, retruco, carinhando-te o nariz. 

“Deu-me vontade de comer churros!”

Firmaste-te ante uma loja de artigos infantis. Entrates e fuxicastes em algumas gondolas. “O que achas?”, mostrando-me uma peça que cabe nas palmas de minha mão...

“Bacana! Pra quem é”, perguntei

“Para alguém que vai gostar muito de brioches e churros...”, sorriste-me.

Meu coração ainda pulsa euforia e incertezas. Com a mão pousada sobre teu vntre, tento dormir, mas o sono me abandonou: Assomam-me tuas palavras: “serás pai em breve!"