Seguidores

sábado, 17 de dezembro de 2011

As Traquitanas de Álvaro Campos

Para Fábio Miguel
                                                                                          
“Nós não estamos só em nós mesmos, certos objetos conservam a memória do que somos” Rodner Lúcio

Quando Álvaro Campos morreu  deixou aos filhos a incumbência de desfazerem de suas coisas doando-as, vendendo-as ou simplesmente consumindo-as no fogo. Nada além do que estava estipulado em testamento deveriam os filhos conservar para si. Dizia ele que “há objetos que possuímos porque narram algo de nossa história, mas uma história que compete apenas a nós contarmos. São essas traquitanas que vamos acumulando no porão, e que, vez ou outra, numa arrumação, encontramos e despertam nossa memória. Só em nós elas despertam sensações, sentimentos, emoções particulares. Elas precisam de nós para terem sentido, sem a nossa presença elas se apagam.” Feito, então, a partilha dos bens, os filhos de Álvaro Campos, num domingo, reuniram-se para decidirem o que fazer com as traquitanas do pai. Desceram ao porão, reviraram-no todo, foram desentranhando uma montanha de coisas que iam separando umas para serem doadas, outras para serem vendidas, outras para serem queimadas, não pareceu-lhes difícil decidir em que categoria colocar cada coisa. A certa altura, o mais moço encontrou um botão de camisa, lágrimas escorreu-lhe nos olhos, um outro dava saltos de alegria, calçando um velho par de sapatos, outro contava animado um fato qualquer, segurando uma caneca de porcelana ... O fato é que passados vinte anos, os filhos de Álvaro Campos ainda não saíram do porão. Ora choram. Ora riem. Ora cantam...

Nenhum comentário:

Postar um comentário