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terça-feira, 3 de setembro de 2013

POEMA DE UM SOLITÁRIO

Sou péssimo para falar
Sou péssimo em escrever
Não sou compositor e nenhum autor
Sou simples e humilde
Sou indiscreto, descrevo sem pensar
Esqueço a sociedade, desisto
O vento é solitário assim como eu sou
A pior ideia foi a que me deixou
Mundo de desgosto é esse?
Ouvi falar mas nunca acreditei
Até você me deixar sem fala
A vida prospera enquanto eu esqueço

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Ninha


No período da manhã eu frequentava a escola regular e no período da tarde o SENAI. Minha irmã também estudava de manhã e na tarde fazia um interminável curso de Informática Administrativa. O mais novo, ainda em fraldas, ficava com uma rapariga de nome assaz estranho: Iacaninã, que preferíamos chamar Ninha.  Com desesseis para dezessete anos, Ninha era bronzeada, olhos esverdeado e não andava, serpenteava, ondulando sobre os ombros cabeleira negra como carvão. Comecei a sentir-me atraido por Ninha, casualmente. Foi durante uma quermesse, notavamos que dois ou três amigos nossos haviam desaparecido em questão de meses. Uma familia havia até distribuido catazes. Ninha passou por nós, e o Pedro, entre gracejos, perguntou-me: “Já pegou?” Os olhos todos voltaram-se pra mim, silênciosos, esperando confirmação. A expressão em meu rosto me delatava. “És um frouxo”, riu Pedro seguido dos demais.   Até então eu nunca havia olhado para Ninha com olhos de desejo. Passei a reparar melhor seu corpo, seu olhar, sua voz, e comecei a sonhar... Certa feita, resolvi que arriscaria aventurar-me para cima dela. Era uma quarta feira, mãe deixou minha irmã na informática e acompanhou-me ao Senai, e seguiu seu caminho para o escritório, como sempre. Esperei  quinze minutos, dei meia volta e retornei para casa. No caminho ia criando uma desculpa. Chego em casa observo que o mais novo dorme em seu berço, mas não precinto a presença de Ninha.  Percebo então rumores vindo da garagem: “Vou pregar-lhe um susto”, penso. Pé ante pé, tentando controlar a respiração,  trêmulo, aproximo-me da porta de acesso à garagem, evitando barulho. A porta que dá acesso à garagem é apenas entreaberta, lanço os olhos entre as fretas. Ninha está tirando a camiseta,... baixando o shortes... Prendo a respiração e tento ver quem está com Ninha, mas não consigo. Abro a porta cuidadosamente, Ninha, que então, estava curvada, ergue a cabeça e espicha o olhar para minha direção, foi o tempo de deitar-me ao chão. O que presenciei logo em seguida, foi o motivo de minha sincope: Ninha numa bocada só engolira um corpo mediano. Depois disso nunca mais eu vi o Pedro.

 

domingo, 7 de julho de 2013

A NOIVA




Em noites de inverno e férias costumávamos, quando criança, nos reunir no quintal de tia Alzirha, em torno da fogueira. Tia Alzhia era, como dizia vó, um baú de estória. Então, enquanto a pipoca estourava na panela. Tia Alzhia, pigarreava, levava o indicador aos lábios pedindo silêncio, e quando o único som que se ouvia era o crepitar da fogueira, e o grilar de algum grilo, começa: Sucedeu com parente de minha parenta lá de Minas...”
“O parente de minha parenta, lá de Minas, morava na roça e ia à cidade só nos dias de festa, quando tinha muito folguedo e cantoria. Certa feita, o parente de minha parenta enamorou de moça da cidade, e a moça da cidade, moça vistosa, de um sorriso como o de Sabhiana – só hoje entendo o que Tia Alzhira queria dizer com “sorriso de Sabhiana”. Mas de Sabhiana eu conto outra hora -  enamorou-se do parente de minha parenta. Então o namoro dos dois foi feito a carta, quer dizer à formosura das letras da moça da cidade e os garranchos que o parente de minha parenta conseguia transpor pro papel.   Mas o amor, o amor é assim: sem lógica...  E carta chega, carta parte, marcaram casamento e tudo mais. Era dia de festa na cidade e a parentela toda do parente de minha parenta lá estava. Na verdade a cidade toda se interessou pelo casório. Era novidade gente da roça casando com gente da cidade, naquela época não tinha disso não: Os Alípio andavam com os Alípio, os Silva com os Silva, e as coisas não se misturavam.  Então, era algo extraordinário. A Igreja ficou pequena e todo mundo comentando e todo mundo querendo saber. Era “mas como pode?”, pra cá, “onde já se viu?”, pra lá, um “este mundo tá perdido mesmo”, aqui, um “é o fim dos tempos”, ali, etc. e tal. Mas o que mais atiçava a curiosidade do povaréu mesmo era saber quem era a dita moça da cidade, porque até então sabia-se apenas que um da roça ia casar-se com uma da cidade, mas as moças da cidade, sempre que indagadas – demorei a entender este termo – diziam: “eu não perdi o juízo”, “Eu não sou estrambelhada”, “acaso fiquei órfã?”. Então a curiosidade maior era pela noiva. Então a igreja apinhou-se de gente. O parente da parenta ao pé do altar aguardava e tremia e suava e impacientava. Meus filho! – quando Tia Alzhira dizia, “meus filho!”, e silenciava um instante, as coisa sairiam pelo avesso – Meus Filho! Quando a porta da igreja se abriu e a marcha nupcial começou a tocar e a noiva foi entrando, o pandemônio se fez, pessoas corriam pra todo lado como se a igreja estivesse a desabar sobre suas cabeças, mulheres desmaiaram, homens se borraram, foi um “Deus nos acuda” só vendo! ... A noiva era a finada filha de um Alípio qualquer que preferiu morrer a casar-se, tempos antes, com um outro Alípio, como era de vontade das famílias... O parente de minha parenta ligou? Que nada! Os dois vivem Felizes até hoje lá pros lado de Minas.”

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Sobre Luís Alberto Soares


 
Vó não falava, vó proverbiava. Certa feita perguntei-lhe: “vó a senhora amou o vô? Ela respondeu-me: “amamos o que podemos escolher, o que nos é dado protegemos e respeitamos”. Vó casou ainda menina, aos doze anos, com um “abestado”, dizia ela. O pai a perdera numa mesa de jogo e o ganhador a casou com um afilhado oligofrênico. Vó não conhece este termo. “Aos quinze anos meu filho eu ja cuidava das gemeas, de seu pai e de seu avô, mais criança que todos”.  Quando veio a revolução de 32 deram um arma a vô. “Um homem normal, perde a natureza com arma na cintura, na mão de um abestado como seu avô só podia dar no que deu...” O que me intrigava é que vó nunca nos dizia no que deu: “o passado devemos suportá-lo em nós, quando não nos traz beneficio algum colocá-lo à luz do dia”... Pai era muito novo e só recorda que um dia a mãe de vô chegou de carroça, pôs vó, tias Adélia e Adelaide e ele na carroça e partiram pra cidade. Tias Adélia e Adelaide também pouco contam de suas infâncias. Recordam apenas que vó sempre carregou consigo o velho baú, que jamais permitiu ser aberto por qualquer pessoa. Também aquele velho baú guardado a sete chaves sobre permanente vigilância de vó me intrigava. Outra coisa que nunca soube com certeza foi o nome de vô. Tia Adélia dizia que ela Aberlado,  tia Adelaide Anastácio, pai seguia ora uma ora outra, às vezes aparecia com um nome diverso. “Este puxou foi pai”, dizia tia Adélia, completando: “é capaz de não saber o próprio nome”. Vó sempre que falava dele chamava-o de o Abestado: “O abestado de seu vô dançava como poucos... O abestado de seu vô tinha uma bela voz... Você corre igualzinho o abestado de seu vô. “Vó!” , perguntei-lhe certa vez, “como vô se chamava, era Abelardo ou Anastácio?”  “Meu fio, eu nunca chamei seu vô pelo nome, a não ser diante do padre, pra fazer o juramento” Quando vó soube que eu planejava viajar a  Perdeneiras ela me advertiu “o passado que buscas está em meu baú, deixo-o se o enterrares comigo depois de vasculhado e se o guardares contigo sem perguntas”... Certo dia vó me chamou de lado: “Meu passado é só teu!” ... “Era apenas uma criança”, comentou, “e deram-lhe uma arma pra brincar”... Passamos duas noites inteiras conversando sobre vó, sobre vô, sobre tias Adelaide e Adélia, sobre pai. Ao fim da conversa ela me deu a chave do velho baú: “enterre tudo comigo!”... Um uniforme de praça, com no bolso um manifesto convocando para a revolução vestia o esqueleto quase intacto, a não ser pero furo na região temporal. Na mão direita a garruncha e sobre o peito uma bandeira do Estado. No bolso um lenço com no verso um nome bordado, “Luis Alberto Soares”, seguido dos dizeres: “Deus proteja meu abestado.”

terça-feira, 18 de junho de 2013

CARTA DE TOMÉ AO POVO BRASILEIRO


 
Nas controvérsias sobre o achamento de nossas terras, há os que defenda que antes dos portugueses outros navegantes já haviam aportado Tupinambá. Leopoldo, fantasma de família, que diz ter sido conselheiro de Pedro II, disse-me ter documentos que comprovam que já no primeiro século um discípulo de Cristo por estas terras andara, mas como não falava a língua nativa, também desconhecida do Espirito Santo, deixou uma carta escrita para a posteridade e foi evangelizar a Índia. Segundo Leopoldo, a dita carta, encontrada por um Jesuíta em uma de suas Reduções, foi enviada a Portugal, mas se perdera no caminho... Ontem, enquanto preparava-me para a manifestação, e já pensando como me arrastaria aos lábios de Jandhiele, Leopoldo, com seu tradicional método de me atrapalhar em minhas conquistas, apareceu-me com um manuscrito esfacelando-se todo. “Eis meu caro, eis a carta do comentado evangelizador... Cuidado, cuidado que é uma relíquia, e custou-me uma descida aos porões de uma embarcação naufragada...  Custei a encontrar um marujo que me soubesse indicar a embarcação correta, pois poucos sabiam deste documento, enviado sob sigilo... Mas tive a sorte de, no memorável réquiem a Anchieta, resvelar-me no tal jesuíta que o enviou à corte”. Leopoldo falava com tanta empolgação e eu preocupado em não me atrasar, porque Jandhiele exigia pontualidade, não conseguia acompanha-lo. “não te preocupes, não te preocupes, meu amigo, o Judeu errante, o traduziu. Queria apenas mostrar-te o original. Veja é uma preciosidade de documento... Deixo-te a tradução, e parto imediatamente, o Magnânimo está às voltas com a Confederação Argentina, e precisa de meus préstimos.” E, advertindo-me: “Não vai rolar! É assim que vocês dizem hoje? Não vai rolar, meu caro! Não vai rolar!”, sumiu em gargalhadas.  É próprio do Leopoldo estas tiradas. A carta que ele me deixou está aqui em algum lugar, achando-a eu a leio. Odeio suas advertências, odeio!  

 

domingo, 16 de junho de 2013

O MONGO

Conversando ontem com o companheiro Milton Bueno saltou-me a seguinte História

 

A maior atração do parque era o incrível homem Mongo. A fila para ver o espetáculo da transformação do pacato Jrmir em uma fera, não tinha fim. Um cartaz enorme à entrada da tenda do Mongo advertia cardíacos e congêneres da não indicação médica para o gênero de diversão. Era vetado também para crianças e mulheres grávidas. Eu aproveitei o descuido do segurança, que espichou os olhos para o decote da morena, e a foi acompanhando com o alhar. Entrei de surdina. Por isso não tive direito à minha porção de vinagre.  A tenda em seu interior era toda negra com uma luz permitindo ver o palco com um cenário familiar de uma sala com sofás e ao fundo uma porta que nitidamente dava a entender tratar-se de um banheiro. As luzes apagando-se iniciava o espetáculo, com uma música suave acompanhada da voz de um locutor que me lembrou Gil Gomes. De início, enquanto o locutor apresentava Jrmir, encontrado numa selvagem cidade de pedra, em que as pessoas viviam se degradiando para ver quem podia mais, quem tinha mais, quem mais proveito tirava até de situações as mais banais. Jrmir em cena aparentava um sujeito comum, deste que ao domingo vai à missa ou a culto da palavra, joga bola com amigos, toma umas cervejas e torce, no fim de tarde, pelo seu time, acompanhando o jogo pela televisão. O espetáculo começa a ficar tenso, quando o locutor pausa e como se assistíssemos televisão com Jrmir, ouvíssemos o apresentador anunciar: “Boa noite, o Show da Vida está no ar!” Tudo se escurece e a porta ao fundo, aquela que indica um banheiro se abre, e notamos que Jrmir por ela se perde. A narrativa, se torna tensa, a música assume um compasso de filme de suspense. O locutor anuncia, aterrorizado: “Meu Deus, Jrmir se transformou na fera”. Foi um pandemônio, o ar empesteou-se de gás de pimenta, tiros de borracha cruzavam o apertado espaço da tenda, luzes frenéticas e sirenes ensurdecedoras aumentavam o clima de insegurança e terror.  Pessoas corriam desorientadas para fora da tenda. Jrmir estava apenas vestido de farda.

 

 

quarta-feira, 12 de junho de 2013

ALI QUE ME VEJO

                                                                                                                         por Dhyne Paiva

 A madrugada gélida
novamente me abriga.
Nem mesmo vagando só
... consigo me encontrar.
Não me reconheço.

Encontro-me no fundo
dos seus belos olhos castanhos.
Neles vejo a pessoa
que você tanto ama.
É ali que me vejo.

Encontro-me no seu sorriso.
Naquele sorriso tímido
que você solta quando te elogio.
Nele vejo a resposta das minhas perguntas.
É ali que me vejo.

Encontro-me nos seus braços.
Naqueles abraços de proteção
que você me dá
quando meu olhar muda.
Neles vejo meu lar.
É ali que me vejo.

Encontro-me nos seus lábios.
Naqueles lábios que me dizem
as palavras mais doces.
Naqueles lábios que me concedem
os melhores beijos.
Nestes lábios vejo meu refúgio.
É ali que me vejo.

 

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Conclusões de Amethista


Não conheço nenhuma outra razão para amar senão amar. (Fernando Pessoa)

Na noite anterior ao corrente caso eu tomava cerveja e comia um bom petisco na companhia de Adalberto Soares, Camila Antunes e Jhoana Medeiros. Foi Camila que levantou a discussão citando o Pessoa: “o que penso eu do mundo? Sei lá o que penso do mundo! Se eu soubesse pensaria nisso” ... “O que pensa você sobre morrer de amor?” Perguntou a mim e ao Adalberto.  “O amor”, parafraseando o Pessoa, disse Adalberto: “o amor é para quem nasce para o conquistar e não para quem sonha que pode conquista-lo. E a morte é a conclusão de tudo.” Jhoana Medeiros abriu-lhe um sorriso invejável. Queria eu receber um tal sorriso... Na manhã do corrente caso acordei com o sorriso desejado a meu canto. Senti-me a melhor pessoa do mundo, levantei, tomei uma ducha, vesti-me e preparei o café. Jhoana levantou-se procurando suas peças intimas espalhadas pelo quarto.   Entrou no banheiro e tomou um demorado banho... “Você é o máximo”, beijou-me os lábios untando-os de batom e abriu aquele sorriso. “Pra mim”, disse-lhe, “morrer agora, quando o amor apenas aflora, seria perfeito” ... Por um instante os sentidos se me esvaíram, apaguei como uma vela ao sopro. Foi amor súbito: “Sinto uma alegria enorme/ Ao pensar que minha morte não tem importância nenhuma”

 

 

domingo, 19 de maio de 2013

QUARTO 231




Aos amigos Filé e Jack pela recepção prazerosa.

                A história que nos contaram foi outra e eu juro que não tive medo.
                O Senhor Filé, de gentileza impar, nos recepcionou e levou-nos até o quarto de nº 231. Enquanto o compadre tomava uma ducha para se refrescar da viagem, eu repassei alguns pontos da relação que deveria fazer na manhã seguinte.  Próximo da janela acompanhava o balançar dos salgueiros no entardecer de outono. Bateram à porta e eu atendi. Uma garota, por volta de doze anos, olhar dócil, sorriso trigueiro, pediu-me água. Estranhei mas fui ao frigobar e peguei um copo de água mineral. Quando voltei com o copo, a menina não estava mais à porta. Espichei o olhar para fora do quarto, olhei de um lado para o outro, mas o corredor era vazio. Retomei minha leitura e a contemplar os salgueiros.  No entre tempo, o compadre terminou o banho e ajustava seus pertences no guarda volumes. Novamente ouvimos batidas à porta. O compadre atendeu e era a menina pedindo água.  Ocorreu o mesmo com o compadre, que ao levar a água, não encontrou mais a menina. Depois de uma terceira ou quarta repetição do fato, decidimos deixar a porta aberta com um recado afixado: “se queres água é só entrar e pegar”.  Ao descermos para a janta, o compadre observou que no balcão da recepção havia um porta retrato com foto da menina.  “Senhor Filé”, comentou ele jocoso, “tua neta é deveras traquinas!”. “Perdão Senhor”, retrucou o Senhor Filé, “não entendi!”. “Sua neta”, retomou o compadre, indicando o porta retrato, “passou a tarde a nos pregar peças”. “Perdoe-me, Senhor! O senhor se refere à garotinha do porta retrato? Ela não é minha neta não! É minha filha aos doze anos! ” “Além de traquinas, sua neta se assemelha muito a ela! Uma bela menina!”, comentei-lhe. “Eu não tenho neta não meu senhor, minha filha, morreu muito jovem, estava por completar quinze anos”, observou seu Filé.  “O senhor está querendo nos dizer que...”, gaguejei. “Que vocês vão...” Não esperamos a resposta, saindo em disparada, quando ante nossos olhos seu Filé transformou-se na bela garotinha de olhos esbugalhados e cordas em mão.   

Love Story




Januario estacionou o carro. Esperou alguns minutos e, impaciente, desceu do carro e aguardou, caminhando de um lado para o outro.  Fumou um dois cigarros. Praguejou roendo os dentes. Ao longe um vulto foi ganhando forma, foi aproximando-se. Januario ensaiou um suspiro aliviado, ao mesmo tempo o coração acelerou, o suor brotou-lhe às mãos. Quando, Cleonice estendeu-lhe o rosto esperando o beijo, Januario atrapalhou-se todo. Cleonice sorriu...  O filme não era dos melhores, e Cleonice aguardava ansiosa a mão de Januario tocar a sua, esperava algum sussurro em seu ouvido, esperava... Januario ensaiava, ensaiava, ensaiava, mas o coração acelerava, as mãos tremiam, a língua se prendia ao palato, serrada entre os dentes... “A epifania deu-se e o mundo se acabou”, contou-me Januario, da seguinte maneira: “eu não tinha coragem homem, uma força descomunal prendia-me à cadeira do cinema, sedava-me de uma inércia descomunal. Mas homem, eu via Cleonice emburrando-se, levantando-se de seu canto e saindo da sala. Eu exasperei catatônico. Esvaneci, homem! Esvaneci!...   “Nunca homem nenhum disse-me coisa tão bonita”, dizia-me Cleonice, selando-me um beijo nos lábios, enquanto o funcionário do cinema me oferecia água.”    Cleonice ofereceu-me café, enquanto Januario me descrevia entre risos as confusões do casamento.

Essência Mágica

http://guitarraflutuante.blogspot.com.br/2011/08/essencia-magica.html

domingo, 5 de maio de 2013

NORMALIDADE



“A verdade tem a estrutura de uma ficção” (Slavoj Žižek)

No Lajeado o possível sempre foi uma luta como me lembra Christine Ramos: “O impossível é uma luta que travamos todos os dias contra a normalidade, para o possível acontecer”.
Quando era possível, mas não normal, minha mãe tomou-me pela mão, levou-me à escola e disse-me: “filha seja uma boa menina”. Naquela época o normal é que mulheres negras fossem domésticas, e domésticas não precisavam saber ler e escrever.
Quando era possível, mas não normal, Anastácio anunciou ter passado no vestibular.  Naquela época o normal era que os meninos do Lajeado, à idade de Anastácio, ou estivessem mortos ou estivessem presos ou, espremidos nos trens da central, buscando trabalho nos canteiros de obras na grande cidade.
Quando era possível, mas não normal, mãe enfrentou pai: “a menina vai continuar estudando”. Naquela época o normal era as mulheres serem mães-solteiras-viúvas aos quinze anos.
Quando era possível, mas não normal, voltar seguro para casa... O normal era a polícia invadir o Lajeado e bater e matar pretos pobres – e o Capitão Augusto fazia questão de lembrar: “não é uma questão de cor, é de localidade. No Lajeado ou se é marginal ou se é marginal” – Quando era possível, mas não normal, voltar seguro para casa, nos tornamos órfãos.