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sábado, 8 de outubro de 2011

O VALOR DE UM PRESENTE

Meu nome é Almerinda de Souza Lemos, mas ninguém me conhece por este nome. Eu mesmo dou-me a esquecer chamar Almerinda. As pessoas conhecem-me por dona Doca. Não me perguntem o porquê, sei apenas que desde sempre as pessoas, e eu mesma, chamam-me Doca. Teve até um fato engraçado, porque um moço parou-me na rua, e eu ia apressada, e perguntou-me, dona posso fazer-te algumas perguntas e mandou a primeira antes mesmo que eu assentisse: “qual teu nome?” Doca, respondi. “Doca do que, dona?” Continuou ele. É Almerinda, tentei corrigir. Mas ele já vinha emendando um comentário: “diferente o nome da senhora!”, e partia para a terceira, quarta e quinta perguntas uma seguida da outra, que quase não sabia o que responder. E lá se foi o meu nome naquela pesquisa como Doca Almerinda. Então é assim, não adianta procurar-me por meu nome de batismo. Sou Doca e pronto. Tenho 60 anos, tenho quatro filhos, um junto a Deus, que nos deixou ainda não tinha pecado não. Os outros estão aí bem formados, pessoas honestas como sempre fizemos questão de educá-los. São dois moços, um mecânico e outro eletricista, e uma menina, que este ano Deus querendo termina a faculdade de psicologia. Demos um duro danado, mas ver os fios encaminhados é uma benção de Deus.  Tenho também oito netos e, logo logo, uma bisneta: Ana Carolina.
            De minha infância guardo muitas lembranças, mas a que mais me agrada recordar é a de minha primeira boneca.
            Nasci de uma família humilde, no interior de São Paulo, Cruzeiro. Meus pais eram sitiantes e além de mim tinham outros cinco filhos, três homens e duas mulheres. Eu era a terceira na ordem de nascimento, a primeira entre as meninas.  O sitio não era nosso não, nosso pai arrendava um pedacinho de lavoura nas terras de um italiano de São Paulo, que vinha uma vez ou outra passar uns dias na casa sede. Nós morávamos numa casinha pau a pique como outros colonos. Eram três cômodos de chão batido e um banheiro externo. Pois bem, não tínhamos muitos brinquedos não, e os poucos que tínhamos eram quase todos frutos de nossa imaginação. Assim muitas de minhas bonecas eram de sabugo de milho ou retalho torcido e amarrado com cipó. Mas um tio, irmão de mamãe, veio de São Paulo nos visitar. Era por época do natal. E ele então trouxe lá alguns embrulhos em papel pardo parecido com estes de cimento e amarrado com um cordão grosso de algodão. Foi uma festa aquele dia. Eram presentes que ele mesmo havia confeccionado. Para meus irmãos carrinhos de madeira sem muito acabamento e para mim e as meninas umas bonecas, duas de pano, parecidas com umas da venda do seu Augusto e que as meninas com um pouco mais de condição tinham. Uma outra feita, como ele dizia, de papel machê, ensinando como fazer: “você pega uns pedacinhos de papel deixa dormir dentro d’água e depois acrescenta um pouco de farinha e ferve um pouco... etc e tal”.
Pois coube a mim tal boneca. E a principio fiquei fura da vida. Era uma boneca toda assimétrica, um rosto rústico, parecendo maracujá, a perna direita mais longa, o braço esquerdo mais curto, os olhos opacos e um cabelo de lã num amarelo gema que nunca vi. Era um horror de boneca. E durante muito tempo, ficou lá, jogada num canto, preterida. Preferia brincar com meus sabugos e torcer meus retalhos e amarrá-los com cipó. Aos pouco, porém, por curiosidade, aproximava-me desta boneca. E por curiosidade comecei a amassar papel com farinha e a moldar, eu mesma, minhas bonecas. E as primeiras eram tão horríveis quanto a minha. Só compreendi a sua beleza, quando trinta anos depois, descobri entre as coisas de minha irmã caçula minha primeira boneca de papel machê. Perguntei-lhe porque ainda guardava aquilo. Ela respondeu-me: “porque foi um teu presente e me foi dado de coração, pois era tudo o que você podia me dar”. Naquele mesmo dia fui visitar meu tio e agradecer-lhe. Quase quarenta anos depois eu tinha aprendido o valor de um presente.


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