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quarta-feira, 2 de novembro de 2011

FINADOS

Para Fábio Miguel


Não considero a morte uma ausência, porque os corpos desfeitos em cinzas ou re-misturados à terra, não nos abandonam. Eles convivem ao nosso lado, nos visitam em sonhos e mesmo enquanto caminhamos por caminhos que fizemos juntos. Quando meu padrinho morreu, ele foi velado em casa. As mulheres rezavam. Os homens ao redor da fogueira, contavam causos. Meu padrinho entre eles sorria-me. Tinha eu oito anos. Ainda o vejo de pito em boca, conversando com pai na varanda. Quando os moleques descem a rua em seus carrinhos de rolimã, entre eles está o primo, cantarolando Tim Maia. E tia Mailsa, ainda aparece-me entre as frestas de portas. Mas não são apenas pessoas que compõem meu universo. Leão, o vira lata de pêlos amarelos, ainda balança o rabo e saltita quando abro o portão. Tenho a impressão que é Bolinha, “esta cadela ordinária”, quem esconde meu chinelo. E tem manhãs que me desperto com o canto do Cardenal, o canarinho de tia Sabastiana. Tem ainda os brinquedos, os gestos, as situações, que visitam-me sempre. Carrego, por exemplo, uma flor, a primeira que dei acompanhada do beijo que tanto esperei e não veio. Às vezes a vejo entre as rosas de meu jardim. Acho graça. O Ipê amarelo já não existe mais. Mas não tem como passar por esta rua e não vê-lo. O cheiro de chuva trás sempre consigo o de bolinhos de trigo e café adoçado com rapadura. E o café que solvo tem este sabor. Vendo as crianças brincando, brinco com Salomé, a boneca de retalhos que tia Sabastiana fez para Naninha, como eu gostava daquela boneca mais que Naninha. “Homem não brinca com bonecas”, ralhava pai... Morrer é apenas um jogo de esconde-esconde. E Não somos nós que achamos nossos mortos, eles nos procuram.  Eu não saberia viver sem esta relação.   

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