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segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

PALHAÇOS

No sabado tive o prazer de acompanhar alguns amigos ao teatro. Fomos assistir no Galpão do Folias ao espetáculo Palhaços de Timoncheco Whebi, com Dagoberto Feliz e Danilo Grangheia e Direção de Gabriel Carmona.

Palhaços retrata os bastidores de um circo, especificamente o camarim de um palhaço, este espaço é invadido por um espectador – um vendedor de sapatos, que quando criança desejou acompanhar um Circo que passara por sua cidade, mas o pai o impedira com uma surra (lembrei-me de meu texto vara de marmelo). O encontro destes dois seres coloca diante de nós – palhaços de todos os matizes – a questão sobre a arte e o artista.

Para que serve o artista? pergunta Gabriel Carmona no manifesto que apresenta o espetáculo. E se a arte é a escolha de um olhar, um ponto de vista, sobre um mundo de acontecimentos e sensações, como ele responde no corpo  do manifesto, o artista não é outra coisa que um caleidoscópio, multifacetando a realidade, ante nosso olhar.

A questão do artista e de seu público fica, então, patente no desenrolar da trama em que o palhaço “vai desmontando os sonhos mais puros e os desejos mais imundos de seu fã”.

O artista só é artista porque não sabe fazer outra coisa senão arte. Ao mesmo tempo ser artista é apenas uma condição, como ser vendedor de sapatos ou espectador de um espetáculo são apenas condições, a qualquer momento podemos assumir o papel um do outro e se encontrar e se confundir neles.

No retorno, ainda reverberando o mundo de inquietações que me suscitaram o espetáculo, o Cidão me lembrou um discurso so bre o artista. Disse ele que alguém afirmou não ser o artista um trabalhador, porque o artista não produz riquezas. Mas o trabalhador também não produz riquezas, o trabalhador apenas produz produtos com os quais não mantem senão o desejo de consumo enquanto apenas se consome. A riqueza não lhe pertence. O artista não é trabalhador não porque não produz, mas porque seu produto não é consumivel. Eu não posso apenas consumir a obra de  Timoncheco, lendo-a ou fruindo-a em uma montagem. Ela me inquieta, me provoca, diz algo de mim.

E se a arte é este provocar o olhar de si, o artista produz provocações; é o pro-vocador. E aquilo que Carmona coloca como uma incerteza ou possibilidade: “Talvez a arte seja aquele momento em que podemos olhar as coisas de maneira diferente, experimentar outras conclusões e sentimentos sobre os mesmos fatos” eu acredito ser o próprio da arte. Neste sentido, o artista está na condição do trabalhador: produz, mas não riquezas. Esta não lhe pertence. Por isso, não se pode esperar viver da arte (a segunda sessão terá menos espectadores que a primeira). O artista, no entanto, se coloca, ao mesmo tempo, sobre outra condição, seu produto não é consumível, porque esta é a grandeza de uma obra de arte: perdurar provocativa para além de seu tempo-espaço.  A arte não é o produto, a tela pronta, o espetáculo apresentado, a escultura exposta, o livro editado etc. É o que aguça o olhar, amplia a capacidade de reflexão, dá uma outra dimensão ao ser humano, esvazia-o de atributos, desconcerta-o, dá-lhe a possibilidade de se reinventar e fugir aos determinismos de todos os gêneros num olhar retro-intro- expectivo.  O artista não se sustenta com sua arte, sua arte o eterniza.  Timoncheco Whebi é atualissimo.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Pensar e Falar (OU SOBRE O HUMOR)

Sabe aquela do português? Melhor não contar. A comunidade lusitana pode não gostar. E o alemão? Porque ele ri dois dias depois de uma piada contada? Não ouso responder! Vai soar xenofobia! E da loira, você sabe? Não, é machismo! E a do padre, do pastor e do rabino? Preconceito religioso... Na verdade, o mundo está ficando sem graça. Quando criança, eu não era importunado por causa de minha cor, mas porque trocava o r pelo l, ou vice-versa, nunca sei ao certo. Na adolescência, sim, quando fui estudar em São Paulo. Certa vez caminhava pela rua dos Trilhos, na Mooca, acompanhado de outros dois amigos. Dois polícias tiveram a pachorra de parar e revistar só a mim. Meus amigos ficaram ao largo observando. Há alguns anos, acompanhava um amigo vindo da Itália a uma visita ao Ibirapuera. Fui parado e revistado e me fizeram perguntar a meu amigo se eu o estava importunando. Até hoje, acho que meu amigo não entendeu nada! Eu ouvi muitas vezes que “branco correndo é atleta, preto correndo é bandido”. E constatei isto na pele. Em 89 treinava numa equipe para a São Silvestre. Pois bem, fui parado, e só não fui preso porque minutos depois, o treinador percebendo que eu não acompanhava o grupo, resolveu vir atrás de mim. Ouvi muitas vezes também que “branco de branco é médico. Preto de branco é macumbeiro”. Aqui se acerta dois coelhos com uma só cajadada! “Um branco parado está esperando o ônibus. Um preto parado esta espreitando a vitima”. Embora provoquem um certo padrão de comportamento social, estas frases são para se rir de quem as pronuncia, porque espelham o quanto o sujeito é estúpido. Minha avó, que tinha pouco estudo, costumava dizer que “para falar uma besteira basta pensar, mas falar algo que realmente valha a pena requer repensar”.  Por isso, eu não me apoquento com pessoas que despejam bobagem sobre bobagem, para fazer valer seu direito de expressão, que continuem. Confesso, tenho pena, porque continuando com a sabedoria de minha avó: “dizer o que pensa é fácil. Qualquer idiota pensa e fala. Difícil é pensar sobre o que se diz.” Para reforçar este ensinamento, um amigo meu me confessou que “99% das pessoas que dizem falar aquilo que pensam, não pensam pra falar. Porque se pensassem guardariam silêncio”. Acho 99% um exagero. Talvez meu amigo deva pensar melhor sobre esses números. Mas uma coisa é certa: há um abismo enorme entre falar o que pensa e pensar pra falar. Voltando à piada do português, sem a preocupação do politicamente correto, que é um policiamento cego, confesso que o mundo está chato, porque o humor hodierno está mais para idiotices gratuitas que para o riso. Em busca da popularidade pela popularidade, alguns ditos humoristas se abundam em apelações sarcásticas e carecem de sutileza.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

IM MEMÓRIA

Oriel Santos


Naquela noite, estávamos estrategicamente a postos, preparados a qualquer sinal de confronto com armas em punho, olhar atento e coração acelerado, causando-nos uma respiração ofegante e suor gelado. O pavor era nítido, mas o amor pela pátria era ainda maior, e o responsável por nos manter ali, naquele lugar desconhecido e sombrio. O silêncio da noite era interrompido pelo barulho dos pássaros e animais terrestres, quebrando gravetos no peito. Se eu fosse relatar de fato o que sentia neste instante era uma vontade grande de retornar ao meu lar, à companhia de meus amigos, ao abraço de minha família e ao beijo de minha namorada. Mas a minha patente e a minha honra me impediam de retornar de forma covarde, ao meu entendimento. Um filme, uma história, se passava em minha mente. O meu filme, a minha história de vida. Enquanto permanecíamos estáticos, movimentávamos apenas os olhares por todos os lados, com os dedos roçando no gatilho. É neste instante que o céu vai aos poucos ficando nebuloso, com nuvens negras cobrindo tudo, ameaçando desabar sobre nós uma grande tempestade com direito a raios e trovões. Não demorou muito para que isso acontecesse, e então fomos ficando encharcados com toda a água que vinha das nuvens impiedosas. Antes de ser um soldado, uma chuva desse nível me colocaria para correr, mas na condição de soldado essa ação era impossível. Eu sentia a água da chuva escorrendo em meu corpo todo, arrepiando meus pelos e congelando os meus ossos. E foi nesse preciso momento que um grito de dor de um soldado do meu batalhão desperta a nossa atenção, no momento que era picado por uma cobra muito venenosa, que não dera a ele a chance mínima de vida. Esse grito serve de referencia para os nossos inimigos, que sorrateiramente caminhavam em nossa direção, e que não perdem um segundo para dispararem contra nós a munição de suas metralhadoras. Nós revidamos a altura, sem dó, nem piedade. Dava para ouvir e ver na penumbra da noite o estalo das armas e a faísca dos projeteis se encontrando no ar a poucos metros de nossas cabeças. Em meio a isso vejo corpos de jovens soldados abraçando o chão, uns gritando de dor, outros sem tempo de gritar, de sentirem alguma coisa. Essa cena de horror banhava de sangue o verde da mata, e me enchia de ódio, ainda mais quando o sangue derramado era de um grande amigo conquistado no campo de batalha. Nada mais me vinha a mente, apenas uma vontade brutal de descarregar toda a minha munição contra aqueles inimigos de batalha. Todos os meus sentidos se aguçavam numa fração de segundos sem tirar o dedo do gatilho e gritando muito de ódio, fuzilava aquele que apontava para mim sua arma. De repente não vejo mais nada. Não sinto mais nada. Um silêncio misterioso toma conta de mim e numa fração de segundos me vejo coberto de sangue que escorria do meu peito, me tirando a vida para sempre, causado por um tiro certeiro de alguém que sentia o mesmo ódio no coração. Descarregando o que sentia de ódio em meu peito. Do que adianta agora uma placa de honra ao mérito no meu tumulo? Do que adianta agora uma medalha pendurada na parede da casa de meus pais? Do que adianta agora um discurso em publico para um país, destacando a minha bravura? Se o mais importante de mim foi tirado, a minha própria vida, por uma causa que eu acreditava, mas que só os poderosos tinham a verdadeira resposta, da causa e do efeito