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domingo, 2 de outubro de 2011

NOCTAMBULO

O congestionamento me fez perder o trem das 19h. O próximo sairia apenas às 22h30min. Resolvi fazer um lanche. Mas saindo da estação em busca de uma lanchonete, as coisas pareceram girar de ponta cabeça e assumirem outras formas, deixando-me confuso. Estranhei o meu arredor, caminhava sem saber ao certo o que procurava. Avistei um banco de praça e vi-me sentado nele. Via-me como num espelho folheando o jornal. Uma moça aproximou, pediu licença, sentou-se a meu lado, tirou da bolsa um livro.

- Como que o senhor gosta?

Eu a podia ouvir como se estivesse falando em mim

- Como que o senhor gosta?

-Desculpe-me! Não entendi!

Era como se eu estivesse diante de uma encenação, ocorrendo, ao mesmo tempo dentro de mim. A pantomima estava em mim.

- O senhor gosta dela raspada?

- Dela o quê? Do que você está falando?

- A minha irmã gosta dela toda raspada. Ela detesta pelo. Ela diz que é mais higiênico... Eu não, eu gosto de deixar um tufozinho de pelos, acho mais charmoso.

- O senhor, como o senhor gosta?

Entrei em um outro mundo. Como se uma outra cortina se abrisse... Minha mãe pegando a bacia com água, a esponja o sabão, a navalha, o espelhinho. Liga a vitrola, se desnuda: “Eu detesto pelos, principalmente aqui na virilha...” “Eu me sinto mais limpa assim”. Depois, passava horas mergulhada na banheira. “Filhinho, mamãe tem que sair, mas volta logo, prometo!” Um dia não voltou. Seu corpo foi encontrado, num beco escuro, sujo... Nunca me contaram. Descobri por acaso, folheando jornais velhos na biblioteca...

- O senhor quer ver? Eu mostro!

- O quê?

- O beco! Eu mostro! O senhor quer ver?

- Eu preciso partir! Você tem horas?

- Olha põe a mão aqui! O senhor sente os pelinhos? O senhor quer ver?

- Veja filhinho, como é mais bonita assim carequinha...

Minha cabeça girava, girava, girava...

- Que horas são! Que horas são! Eu preciso embarcar no próximo trem...


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“Policia encontrou na noite de ontem mais uma vítima do bandido da raspadinha, o corpo estava num beco próximo à Estação Central” (Matéria completa na pagina 6 do caderno policial).

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- Bom dia Pe Aldoberto! Como o Senhor Passou a noite!

- Bom dia Frei Guttem! Tenho a sensação de não ter dormido por nada... Penso ter sonhado com minha mãe. Nos últimos meses... Isto me tem sido recorrente...

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