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segunda-feira, 1 de julho de 2013

Sobre Luís Alberto Soares


 
Vó não falava, vó proverbiava. Certa feita perguntei-lhe: “vó a senhora amou o vô? Ela respondeu-me: “amamos o que podemos escolher, o que nos é dado protegemos e respeitamos”. Vó casou ainda menina, aos doze anos, com um “abestado”, dizia ela. O pai a perdera numa mesa de jogo e o ganhador a casou com um afilhado oligofrênico. Vó não conhece este termo. “Aos quinze anos meu filho eu ja cuidava das gemeas, de seu pai e de seu avô, mais criança que todos”.  Quando veio a revolução de 32 deram um arma a vô. “Um homem normal, perde a natureza com arma na cintura, na mão de um abestado como seu avô só podia dar no que deu...” O que me intrigava é que vó nunca nos dizia no que deu: “o passado devemos suportá-lo em nós, quando não nos traz beneficio algum colocá-lo à luz do dia”... Pai era muito novo e só recorda que um dia a mãe de vô chegou de carroça, pôs vó, tias Adélia e Adelaide e ele na carroça e partiram pra cidade. Tias Adélia e Adelaide também pouco contam de suas infâncias. Recordam apenas que vó sempre carregou consigo o velho baú, que jamais permitiu ser aberto por qualquer pessoa. Também aquele velho baú guardado a sete chaves sobre permanente vigilância de vó me intrigava. Outra coisa que nunca soube com certeza foi o nome de vô. Tia Adélia dizia que ela Aberlado,  tia Adelaide Anastácio, pai seguia ora uma ora outra, às vezes aparecia com um nome diverso. “Este puxou foi pai”, dizia tia Adélia, completando: “é capaz de não saber o próprio nome”. Vó sempre que falava dele chamava-o de o Abestado: “O abestado de seu vô dançava como poucos... O abestado de seu vô tinha uma bela voz... Você corre igualzinho o abestado de seu vô. “Vó!” , perguntei-lhe certa vez, “como vô se chamava, era Abelardo ou Anastácio?”  “Meu fio, eu nunca chamei seu vô pelo nome, a não ser diante do padre, pra fazer o juramento” Quando vó soube que eu planejava viajar a  Perdeneiras ela me advertiu “o passado que buscas está em meu baú, deixo-o se o enterrares comigo depois de vasculhado e se o guardares contigo sem perguntas”... Certo dia vó me chamou de lado: “Meu passado é só teu!” ... “Era apenas uma criança”, comentou, “e deram-lhe uma arma pra brincar”... Passamos duas noites inteiras conversando sobre vó, sobre vô, sobre tias Adelaide e Adélia, sobre pai. Ao fim da conversa ela me deu a chave do velho baú: “enterre tudo comigo!”... Um uniforme de praça, com no bolso um manifesto convocando para a revolução vestia o esqueleto quase intacto, a não ser pero furo na região temporal. Na mão direita a garruncha e sobre o peito uma bandeira do Estado. No bolso um lenço com no verso um nome bordado, “Luis Alberto Soares”, seguido dos dizeres: “Deus proteja meu abestado.”

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