“A
verdade tem a estrutura de uma ficção” (Slavoj Žižek)
No Lajeado o possível sempre
foi uma luta como me lembra Christine Ramos: “O impossível é uma luta que
travamos todos os dias contra a normalidade, para o possível acontecer”.
Quando era possível, mas não
normal, minha mãe tomou-me pela mão, levou-me à escola e disse-me: “filha seja
uma boa menina”. Naquela época o normal é que mulheres negras fossem
domésticas, e domésticas não precisavam saber ler e escrever.
Quando era possível, mas não
normal, Anastácio anunciou ter passado no vestibular. Naquela época o normal era que os meninos do
Lajeado, à idade de Anastácio, ou estivessem mortos ou estivessem presos ou, espremidos
nos trens da central, buscando trabalho nos canteiros de obras na grande cidade.
Quando era possível, mas não
normal, mãe enfrentou pai: “a menina vai continuar estudando”. Naquela época o
normal era as mulheres serem mães-solteiras-viúvas aos quinze anos.
Quando era possível, mas não
normal, voltar seguro para casa... O normal era a polícia invadir o Lajeado e bater
e matar pretos pobres – e o Capitão Augusto fazia questão de lembrar: “não é uma
questão de cor, é de localidade. No Lajeado ou se é marginal ou se é marginal” –
Quando era possível, mas não normal, voltar seguro para casa, nos tornamos órfãos.
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