Em noites de inverno e férias costumávamos,
quando criança, nos reunir no quintal de tia Alzirha, em torno da fogueira. Tia
Alzhia era, como dizia vó, um baú de estória. Então, enquanto a pipoca estourava
na panela. Tia Alzhia, pigarreava, levava o indicador aos lábios pedindo
silêncio, e quando o único som que se ouvia era o crepitar da fogueira, e o grilar
de algum grilo, começa: Sucedeu com parente de minha parenta lá de Minas...”
“O parente de minha parenta, lá
de Minas, morava na roça e ia à cidade só nos dias de festa, quando tinha muito
folguedo e cantoria. Certa feita, o parente de minha parenta enamorou de moça
da cidade, e a moça da cidade, moça vistosa, de um sorriso como o de Sabhiana –
só hoje entendo o que Tia Alzhira queria dizer com “sorriso de Sabhiana”. Mas de
Sabhiana eu conto outra hora - enamorou-se
do parente de minha parenta. Então o namoro dos dois foi feito a carta, quer
dizer à formosura das letras da moça da cidade e os garranchos que o parente de
minha parenta conseguia transpor pro papel. Mas o
amor, o amor é assim: sem lógica... E carta
chega, carta parte, marcaram casamento e tudo mais. Era dia de festa na cidade
e a parentela toda do parente de minha parenta lá estava. Na verdade a cidade
toda se interessou pelo casório. Era novidade gente da roça casando com gente
da cidade, naquela época não tinha disso não: Os Alípio andavam com os Alípio,
os Silva com os Silva, e as coisas não se misturavam. Então, era algo extraordinário. A Igreja ficou
pequena e todo mundo comentando e todo mundo querendo saber. Era “mas como pode?”,
pra cá, “onde já se viu?”, pra lá, um “este mundo tá perdido mesmo”, aqui, um “é
o fim dos tempos”, ali, etc. e tal. Mas o que mais atiçava a curiosidade do
povaréu mesmo era saber quem era a dita moça da cidade, porque até então
sabia-se apenas que um da roça ia casar-se com uma da cidade, mas as moças da
cidade, sempre que indagadas – demorei a entender este termo – diziam: “eu não
perdi o juízo”, “Eu não sou estrambelhada”, “acaso fiquei órfã?”. Então a
curiosidade maior era pela noiva. Então a igreja apinhou-se de gente. O parente
da parenta ao pé do altar aguardava e tremia e suava e impacientava. Meus filho!
– quando Tia Alzhira dizia, “meus filho!”, e silenciava um instante, as coisa
sairiam pelo avesso – Meus Filho! Quando a porta da igreja se abriu e a marcha
nupcial começou a tocar e a noiva foi entrando, o pandemônio se fez, pessoas
corriam pra todo lado como se a igreja estivesse a desabar sobre suas cabeças,
mulheres desmaiaram, homens se borraram, foi um “Deus nos acuda” só vendo! ... A
noiva era a finada filha de um Alípio qualquer que preferiu morrer a casar-se,
tempos antes, com um outro Alípio, como era de vontade das famílias... O
parente de minha parenta ligou? Que nada! Os dois vivem Felizes até hoje lá pros
lado de Minas.”
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