(Rodner
Lucio)
Para
Fabio Miguel
Eu
gosto de criar imagens, e gosto de alguns objetos: copos, facas, cadeiras, cama
e algumas situações: Frestas de portas, aroma de café, fins de tarde após uma
chuva repentina e passageira e o cheiro de tijolos molhados que impregnam o ar.
Eu gosto da ideia de água brotando, escorrendo, avolumando-se. Eu gosto da cena
da navalha percorrendo a pele. E navalha e língua para mim se confundem. Quando eu pego um copo nas mãos, eu procuro
intuir-lhe possibilidades que não sejam próprias do copo. Nele inebrio-me de
amores que tive e de amores que não terei, estilhaço-o em mil pedaços e o
recomponho, celebro a redenção do ser e tramo a sua morte, reúno os amigos, conspiro
contra os governos, deixo pousado uma flor: “sou um copo no qual uma flor pousa”,
uma das primeiras coisas que escrevi para Ione. A água que cai do chuveiro e
escorre por meu corpo e leva algo de mim pelo ralo é como seu corpo quente, úmido,
languido e toda vez que se vai, fechando a porta por trás de mim, algo de mim
vai contigo. A literatura não sei defini-la a não ser assim, porque é uma arte,
e eu deveria entender então o que é arte. Mas sou como a formiga que não sabe o
que é trabalho e trabalha. A criação é um ato não apenas desnecessário e
voluntário é sobretudo um ato ignorado. A onisciência do criador é ignorar que
cria. Eu não sou escritor, não sou poeta, eu sou como formiga cortando folha. Se
perguntarmos à formiga o porquê dela cortar folhas, se puder dar-nos uma
resposta será com uma outra pergunta: “então
é folhas que eu corto?” Eu quero saber das coisas sem uma gramática necessária.
Eu não sei das coisas, elas estão ante mim e dizem de si, dês-(es)crevê-las é
não dizê-las como elas são, mas como elas se me apresentam, as coisas não se
dizem toda do ângulo em que se me apresentam, tem faces das coisas que eu não
alcanço. Eu as desdobro, eu as penso como poderiam ser se não fossem o que
aparentam ser. O Tales e o Victor jogam com isto o tempo todo e eu me deixo
influenciar por eles. É, então, literatura o desdobro da realidade presente, é
decompor o em si das coisas (não me peça para explicar o que seja este em si,
porque eu não sei: a formiga não sabe que folha é folha, penso eu.) vislumbrando
os seus possíveis. Forjar realidades outras nas realidades presentes é, de repente,
sem o saber, criar. Ninguém se coloca diante de algo e diz: “agora produzirei
uma obra de arte”, isto é presunção. “O que será que posso tirar disto?” é a
atitude do criador, a sua arte. É criação apenas o impensado, o que escapou ao
planejado. A criação independe da vontade do criador. Eu me proponho a escrever
um texto magnífico e me sai uma patifaria Eu traço algumas linhas, por vicio
quase, e eis a obra que se inscreverá nos séculos. O que eu sei sobre
literatura então é isto: é a arte de compor textos que retratam não a
realidade, mas realidades possíveis, e que de quando em quando, doa-nos algo magnífico
e significativo como a Divina Comédia, Don Quixote de La Mancha, Grandes
Sertões Veredas, Sentimento do Mundo. Eu não sou literato, escrevo sem ser
escritor, brinco, como o Tales com sua cadeira-carro-cavalo-condelijo do Max
Stell, com as palavras e com as coisas apenas para sabê-las.
Então obrigada por ter traçado essas linhas. Adorei. Abraço, Cláudio!
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