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quarta-feira, 27 de junho de 2012

Sobre Literatura ou não

Eu sou um sujeito que não sabe das coisas, eu sou um sujeito que as quer saber.

(Rodner Lucio)



Para Fabio Miguel



Eu gosto de criar imagens, e gosto de alguns objetos: copos, facas, cadeiras, cama e algumas situações: Frestas de portas, aroma de café, fins de tarde após uma chuva repentina e passageira e o cheiro de tijolos molhados que impregnam o ar. Eu gosto da ideia de água brotando, escorrendo, avolumando-se. Eu gosto da cena da navalha percorrendo a pele. E navalha e língua para mim se confundem.  Quando eu pego um copo nas mãos, eu procuro intuir-lhe possibilidades que não sejam próprias do copo. Nele inebrio-me de amores que tive e de amores que não terei, estilhaço-o em mil pedaços e o recomponho, celebro a redenção do ser e tramo a sua morte, reúno os amigos, conspiro contra os governos, deixo pousado uma flor: “sou um copo no qual uma flor pousa”, uma das primeiras coisas que escrevi para Ione. A água que cai do chuveiro e escorre por meu corpo e leva algo de mim pelo ralo é como seu corpo quente, úmido, languido e toda vez que se vai, fechando a porta por trás de mim, algo de mim vai contigo. A literatura não sei defini-la a não ser assim, porque é uma arte, e eu deveria entender então o que é arte. Mas sou como a formiga que não sabe o que é trabalho e trabalha. A criação é um ato não apenas desnecessário e voluntário é sobretudo um ato ignorado. A onisciência do criador é ignorar que cria. Eu não sou escritor, não sou poeta, eu sou como formiga cortando folha. Se perguntarmos à formiga o porquê dela cortar folhas, se puder dar-nos uma resposta será com uma outra pergunta:  “então é folhas que eu corto?” Eu quero saber das coisas sem uma gramática necessária. Eu não sei das coisas, elas estão ante mim e dizem de si, dês-(es)crevê-las é não dizê-las como elas são, mas como elas se me apresentam, as coisas não se dizem toda do ângulo em que se me apresentam, tem faces das coisas que eu não alcanço. Eu as desdobro, eu as penso como poderiam ser se não fossem o que aparentam ser. O Tales e o Victor jogam com isto o tempo todo e eu me deixo influenciar por eles. É, então, literatura o desdobro da realidade presente, é decompor o em si das coisas (não me peça para explicar o que seja este em si, porque eu não sei: a formiga não sabe que folha é folha, penso eu.) vislumbrando os seus possíveis. Forjar realidades outras nas realidades presentes é, de repente, sem o saber, criar. Ninguém se coloca diante de algo e diz: “agora produzirei uma obra de arte”, isto é presunção. “O que será que posso tirar disto?” é a atitude do criador, a sua arte. É criação apenas o impensado, o que escapou ao planejado. A criação independe da vontade do criador. Eu me proponho a escrever um texto magnífico e me sai uma patifaria Eu traço algumas linhas, por vicio quase, e eis a obra que se inscreverá nos séculos. O que eu sei sobre literatura então é isto: é a arte de compor textos que retratam não a realidade, mas realidades possíveis, e que de quando em quando, doa-nos algo magnífico e significativo como a Divina Comédia, Don Quixote de La Mancha, Grandes Sertões Veredas, Sentimento do Mundo. Eu não sou literato, escrevo sem ser escritor, brinco, como o Tales com sua cadeira-carro-cavalo-condelijo do Max Stell, com as palavras e com as coisas apenas para sabê-las.

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