Eu nasci e vivi longo tempo de
minha vida no Oco da Terra, um lugar úmido, sombrio, silencioso. Sons abafados
chegavam-nos sem nos dar conta. Flash de luz de quando em quando nos alcançava
as vistas. Em Oco da Terra não havia
palavra, apenas murmúrios tão surdos e incompreensíveis quanto os rumores que
nos chegavam. O olhar opaco, lúgubre,
vazio era nossa linguagem. Certa feita
um estrangeiro, dizendo-se um dos nossos, desceu a Oco da Terra. Usou gestos e
sons que não conhecíamos. Os sons era palavra – hoje eu o sei –, e doíam-nos os ouvidos incompreensíveis. Avançamos
sobre o estrangeiro que se fazia como um de nós e o matamos. Depois disto, surgiram
alguns que diziam ser este Aquele que nos viera apontar um outro mundo, um
mundo preparado para nós, para além de Oco da Terra. Um mundo em que os sons abafados
tinham sentido, o olhar brilhava invadido de luz. Era preciso coragem para atravessar as frestas
luminosas de Oco da Terra. Muitos haviam tentado depois que o estrangeiro que se
dizia um de nós e que matamos nos visitou, nenhum havia voltado. Sem
despedir-me dos meus – não me deixariam partir –, esperei o primeiro raio de
luz e os primeiros rumores; lancei-me numa fresta. À medida que avançava os rumores se intensificavam;
meus ouvidos doíam, doíam, doíam. A luz, ao contrário, ia atenuando-se, e, a um
certo momento, desapareceu. Não fossem os rumores cada vez mais altos, sentir-me-ia
em Oco da Terra. Meus ouvidos doíam, doíam,
doíam. Estava decidido, estourassem-me a cabeça, iria até o fim. Houve duas alternâncias de luzes intensas até
seu desaparecimento até chegar a este mundo. Era noite, agora eu sei, quando
venci minha jornada. O céu era cinza, e os rumores atenuados. Grilos, sapos,
buzinas, risos, vozes, se confundiam a meu grito... Muitas vezes pensei em
voltar para Oco da Terra, mas sei que os meus não me reconheceriam e o meu
destino seria o mesmo do nosso que visto por estrangeiro o matamos. Aqui
aprendi palavra e sei das coisas e dou-lhes nome. O mundo não é sombra e murmúrio:
O mundo é discurso. E o discurso nos preenche de sentido, de certezas, de
verdades. Em Oco da Terra tudo é o mesmo, e o mesmo é ordem. Sinto saudades de Oco da Terra, do som
abafado que nos chegavam, dos poucos raios de luz entre frestas, de sua umidade,
do seu silencioso murmúrio. Sinto falta da sinceridade opaca, lúgubre e vazia
do olhar dos meus. Aqui sou estrangeiro, lá, agora seria estrangeiro. As palavras me encantam, mas estas luzes todas
apenas afastam as sombras das coisas não as eliminam de mim. Oco da Terra é em
mim. Outro dia me perguntaram: “Que lugar habita em ti?” Oco da Terra habita em
mim. Meu grito é murmúrio e a luz de meus olhos opaca, lúgubre e vazia, diz-me:
“És Oco, Opaco e Lúgubre. Palavras não te iluminam e preenchem. O silencioso
vazio te preenche”. Não sou mais para os meus, a este mundo eu não pertenço.
Sou Oco valendo-se de palavras.
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