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domingo, 7 de julho de 2013

A NOIVA




Em noites de inverno e férias costumávamos, quando criança, nos reunir no quintal de tia Alzirha, em torno da fogueira. Tia Alzhia era, como dizia vó, um baú de estória. Então, enquanto a pipoca estourava na panela. Tia Alzhia, pigarreava, levava o indicador aos lábios pedindo silêncio, e quando o único som que se ouvia era o crepitar da fogueira, e o grilar de algum grilo, começa: Sucedeu com parente de minha parenta lá de Minas...”
“O parente de minha parenta, lá de Minas, morava na roça e ia à cidade só nos dias de festa, quando tinha muito folguedo e cantoria. Certa feita, o parente de minha parenta enamorou de moça da cidade, e a moça da cidade, moça vistosa, de um sorriso como o de Sabhiana – só hoje entendo o que Tia Alzhira queria dizer com “sorriso de Sabhiana”. Mas de Sabhiana eu conto outra hora -  enamorou-se do parente de minha parenta. Então o namoro dos dois foi feito a carta, quer dizer à formosura das letras da moça da cidade e os garranchos que o parente de minha parenta conseguia transpor pro papel.   Mas o amor, o amor é assim: sem lógica...  E carta chega, carta parte, marcaram casamento e tudo mais. Era dia de festa na cidade e a parentela toda do parente de minha parenta lá estava. Na verdade a cidade toda se interessou pelo casório. Era novidade gente da roça casando com gente da cidade, naquela época não tinha disso não: Os Alípio andavam com os Alípio, os Silva com os Silva, e as coisas não se misturavam.  Então, era algo extraordinário. A Igreja ficou pequena e todo mundo comentando e todo mundo querendo saber. Era “mas como pode?”, pra cá, “onde já se viu?”, pra lá, um “este mundo tá perdido mesmo”, aqui, um “é o fim dos tempos”, ali, etc. e tal. Mas o que mais atiçava a curiosidade do povaréu mesmo era saber quem era a dita moça da cidade, porque até então sabia-se apenas que um da roça ia casar-se com uma da cidade, mas as moças da cidade, sempre que indagadas – demorei a entender este termo – diziam: “eu não perdi o juízo”, “Eu não sou estrambelhada”, “acaso fiquei órfã?”. Então a curiosidade maior era pela noiva. Então a igreja apinhou-se de gente. O parente da parenta ao pé do altar aguardava e tremia e suava e impacientava. Meus filho! – quando Tia Alzhira dizia, “meus filho!”, e silenciava um instante, as coisa sairiam pelo avesso – Meus Filho! Quando a porta da igreja se abriu e a marcha nupcial começou a tocar e a noiva foi entrando, o pandemônio se fez, pessoas corriam pra todo lado como se a igreja estivesse a desabar sobre suas cabeças, mulheres desmaiaram, homens se borraram, foi um “Deus nos acuda” só vendo! ... A noiva era a finada filha de um Alípio qualquer que preferiu morrer a casar-se, tempos antes, com um outro Alípio, como era de vontade das famílias... O parente de minha parenta ligou? Que nada! Os dois vivem Felizes até hoje lá pros lado de Minas.”

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Sobre Luís Alberto Soares


 
Vó não falava, vó proverbiava. Certa feita perguntei-lhe: “vó a senhora amou o vô? Ela respondeu-me: “amamos o que podemos escolher, o que nos é dado protegemos e respeitamos”. Vó casou ainda menina, aos doze anos, com um “abestado”, dizia ela. O pai a perdera numa mesa de jogo e o ganhador a casou com um afilhado oligofrênico. Vó não conhece este termo. “Aos quinze anos meu filho eu ja cuidava das gemeas, de seu pai e de seu avô, mais criança que todos”.  Quando veio a revolução de 32 deram um arma a vô. “Um homem normal, perde a natureza com arma na cintura, na mão de um abestado como seu avô só podia dar no que deu...” O que me intrigava é que vó nunca nos dizia no que deu: “o passado devemos suportá-lo em nós, quando não nos traz beneficio algum colocá-lo à luz do dia”... Pai era muito novo e só recorda que um dia a mãe de vô chegou de carroça, pôs vó, tias Adélia e Adelaide e ele na carroça e partiram pra cidade. Tias Adélia e Adelaide também pouco contam de suas infâncias. Recordam apenas que vó sempre carregou consigo o velho baú, que jamais permitiu ser aberto por qualquer pessoa. Também aquele velho baú guardado a sete chaves sobre permanente vigilância de vó me intrigava. Outra coisa que nunca soube com certeza foi o nome de vô. Tia Adélia dizia que ela Aberlado,  tia Adelaide Anastácio, pai seguia ora uma ora outra, às vezes aparecia com um nome diverso. “Este puxou foi pai”, dizia tia Adélia, completando: “é capaz de não saber o próprio nome”. Vó sempre que falava dele chamava-o de o Abestado: “O abestado de seu vô dançava como poucos... O abestado de seu vô tinha uma bela voz... Você corre igualzinho o abestado de seu vô. “Vó!” , perguntei-lhe certa vez, “como vô se chamava, era Abelardo ou Anastácio?”  “Meu fio, eu nunca chamei seu vô pelo nome, a não ser diante do padre, pra fazer o juramento” Quando vó soube que eu planejava viajar a  Perdeneiras ela me advertiu “o passado que buscas está em meu baú, deixo-o se o enterrares comigo depois de vasculhado e se o guardares contigo sem perguntas”... Certo dia vó me chamou de lado: “Meu passado é só teu!” ... “Era apenas uma criança”, comentou, “e deram-lhe uma arma pra brincar”... Passamos duas noites inteiras conversando sobre vó, sobre vô, sobre tias Adelaide e Adélia, sobre pai. Ao fim da conversa ela me deu a chave do velho baú: “enterre tudo comigo!”... Um uniforme de praça, com no bolso um manifesto convocando para a revolução vestia o esqueleto quase intacto, a não ser pero furo na região temporal. Na mão direita a garruncha e sobre o peito uma bandeira do Estado. No bolso um lenço com no verso um nome bordado, “Luis Alberto Soares”, seguido dos dizeres: “Deus proteja meu abestado.”