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quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Pão de culpa

O relógio mostrava treze minutos percorridos e ele permanecia no ponto de ônibus, esperando o seu ônibus surgir na esquina. Uma garota com fones nos ouvidos ocupava o mesmo banco, fazendo companhia apenas a si própria, embora a noite houvesse acabado de chegar para os dois.

Sentia fome.  Não havia almoçado. Do outro lado da rua, na esquina, havia uma padaria. Olhou novamente o horário. Aquele ônibus costumava demorar uns vinte minutos. Era só atravessar a rua, comprar alguma coisa para comer e voltar para o ponto. Ia demorar a chegar em casa, o coletivo fazia tantos rodeios pelas ruas! Olhou para a garota dos fones, como que à espera de aprovação. Atravessou.

Já dentro da padaria, seu olhar meio esfomeado percorreu a vitrine e logo resolveu levar um pequeno pão doce de aparência bem razoável. No caminho mesmo para o ponto, deu a primeira mordida. Então veio o gosto. Gosto de pão doce velho. Gosto velho da culpa.

Devia ter uns sete anos quando aconteceu. Naquele dia, sua lancheirinha que levava para a escola carregava um pão doce que mamãe havia embrulhado cuidadosamente. Pátio cheio de outras criancinhas, mas estava só. Abriu a lancheira e tirou o pão.  Estava duro e velho. O cheiro. Deu uma mordida. O gosto. Velho.

Mamãe orava antes e depois das refeições, agradecendo o Pão. Pendurado na parede da cozinha, próximo à mesa, repousava uma reprodução de Jesus com os doze apóstolos e era na direção daquela imagem que o olhar da mãe se dirigia, enquanto fazia o sinal da cruz.

Envergonhou-se por não desejar comer o pão. Envergonhou-se por não querer levar o pão de volta e fazer desfeita com a mamãe e desfeita com o Deus que oferecia a refeição que ela tanto agradecia. Envergonhou-se por não ter coragem de oferecer o pão para alguma criança bem mais benevolente com aquele pedaço de comida que ele. Seu rosto avermelhou-se de imaginar jogando-o no lixo, no meio do pátio lotado. A vermelhidão tomou todo o seu corpo pequeno. Estava cravado nele o olhar dos doze apóstolos, que tinham saído do quadro da cozinha para o pátio do colégio, e faziam roda em volta dele, recriminando-o profundamente pelos seus pensamentos pecadores. Correu em direção aos banheiros, trancando-se em um deles. Com todas aquelas vergonhas lhe atravessando, cometeu uma última: atirou o pãozinho na lixeira do banheiro.

É, devia ter uns sete anos quando aconteceu. O tempo passou, o batizou, crismou e comungou. E sentado no banco do ponto de ônibus, com aquele pedaço de pão velho atravessado na garganta, perguntou a si mesmo se o Deus da mamãe havia perdoado seu gesto naquele dia, no primário. Era estranho sentir aquele sabor novamente, o de sua culpa católica. A cor pintou novamente a sua face, ao lembrar da imagem do pão doce boiando em meio ao papel higiênico usado, naquele banheiro sujo. Engoliu o pedaço em seco. Três décadas depois para sentir aquele gosto novamente.


A garota dos fones tinha ido embora, em algum ônibus que havia passado, sem que ele percebesse. O coletivo não chegava para levá-lo adiante. Um pedaço de pão doce o havia levado para trás.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

A Cidade e os Mortos de ITALO CALVINO

Tradução livre: Claudio Domingos Fernandes

A Melania, cada vez que se entra na praça, nos encontramos em meio a um dialodgo: o soldado garboso e o parasita saindo por uma porta se encontram com o jovem esbanjador e a prostituta; ou então, o pai avarento, da soleira, faz as ultimas recomendações à filha amorosa e é interrompido pelo servo estúpido que traz um bilhete à alcoviteira. Retornando se a Melania depois de anos se encontra o mesmo dialogo que continua; nesse meio tempo morreram o parasita, a alcoviteira, o pai avarento; mas o soldado garboso, a filha amorosa, o servo estúpido tomaram o sues postos, substituídos por sua vez do hipócrita, da confidente, do astrólogo.

A população de Melania se renova: os dialogantes morrem um a um e, no entanto, nascem aqueles que tomaram por sua vez lugar no dialogo, quem em uma pare, quem em outra. Quando alguém troca de parte ou abandona a praça para sempre o realiza seu primeiro ingresso, se produzem mudanças em cadeia, até que todas as partes não sejam distribuídas de novo; mas, no entanto, o velho irado continua a responder a serva espirituosa, o usuário não deixa de perseguir o jovem deserdado, a ama de leite de consolar a afilhada, também se nenhum deles conserva os olhos e a voz que havia na cena precedente.

Acontece, às vezes, que um mesmo dialogante mantenha ao mesmo tempo dois ou mais partes: tirano, bem feitor, mensageiro; ou que uma parte seja duplicada, multiplicada, atribuída a cem, a mil habitantes de Melania: três mil para o hipócrita, trinta mil para o aproveitador, cem mil de reis caídos na desgraça que esperam o reconhecimento.

Com o passar do tempo também as partes não são mais exatamente as mesmas de antes; certamente a ação que elas conduzem adiante através de intrigas e golpes de cena carrega algo de desfecho final, que continua a aproximar-se também quando o novelo  parece emaranhar-se mais e os obstáculos aumentar. Quem se aproxima da praça em momentos sucessivos sente que de ato em ato o dialogo muda, também se as vidas dos habitantes de Melania são muito breves para se darem conta disto.
Le città e i morti
Italo Calvino – Le Città Invisibili – Milano, OscarMondadori, 1993
            A Melania, ogni volta che si entra nella piazza, ci si trova in mezzo a um dialogo: Il soldato millantatore e Il parassita uscendo da uma porta s’incontrano col Giovane scialacquatore e la meretrice; oppure Il padre avaro dalla soglia fa le ultime raccomandazioni alla figlia amorosa ed è interroto dal servo sciocco che va a portare um biglietto alla mezzana. Si ritorna a Melania dopo anni e si ritrova lo stesso dialogo che continua; nel frattempo sono morti Il parasita, La mezzana, Il padre avaro; ma Il soldato milantatore, la figlia amorosa, Il servo sciocco hanno preso Il loro posto, sostituiti alla loro volta dall’ipocrita, dalla confidente, dall’astrologo.
La popolazione di Melania si rinnova: i dialoganti muoiono a uno a uno e intanto nascono quelli che prederanno posto a loro volta nel dialogo, chi in una parte chi nell’altra. Quando qualcuno cambia di parte o abbandona la piazza per sempre o vi fa Il suo primo ingresso, si producono cambiamenti a catena, finchè tutte le parti non sono distribuite di nuovo; ma intanto al Vecchio irato continua a rispondere la serva spiritosa, l’usuraio non smette d’inseguire Il Giovane diseredato, la nutrice di consolare la figliastra, anche se nessuno di loro conserva gli occhi e la voce che aveva nella scena precedente.
Capita alle volte che um solo dialogante sostenga nello stesso tempo due o più parti: tiranno, benefattore, messagerro; o che uma parte sai sdoppiata, moltiplicata, atribuita a cento, a Mille abitanti di Melania: tremila per l’ipocrita, trentamila per lo scroccone, centomila figli di re caduti in bassa fortuna che atendono Il riconoscimento.
Col passare del tempo anche le parti non sono più esatamente le stesse di prima; certamente l’azione che esse mandano avanti atraverso intrighi e colpi di scena porta verso um qualche scioglimento finale, cui continua ad avvicinarsi anche quando la matassa pare ingarbugliarsi di più e gli ostacoli aumentare. Chi s’affacia alla piazza in momenti sucessivi sente che d’atto in atto Il dialogo cambia, anche se Le vite degli abitanti di Melania sono troppo brevi per accorgersene.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

O Quadro

Minha mãe sempre me ensinou a não levar coisas do lixo para casa... Retorno da escola pensando em Gleice Kelly, aluna do segundo médio. Morena, alta, olhos esverdeados, corpo bem formado... Caminho imaginando entrar um dia em aula e encontrá-la só, nua, que com voz suave diz-me atraída e desejosa de mim. Logo me encontro lançado sobre seu corpo quente e tenso, pulsando e transpirando intensamente... Atravessando de um lado ao outro da rua, passo por uma caçamba e percebo nela um quadro que me atrai a atenção: é uma replica perfeita da Vênus Adormecida de Giorgio da Castelfranco. Não penso duas vezes, pego o quadro e o levo comigo. Em casa deixo-o no sofá, para instalá-lo com calma na manhã seguinte. Entro no banheiro e tomo uma chuveirada e retorno a pensar em Gleice Kelly. Saio do banho, vou à cozinha, aqueço no micro-ondas um pedaço de pizza da noite anterior, abro uma cerveja, vou pra cama: “demorou amor!”.  A Vênus me esperava, sorrindo-me. Na verdade era Glaice Kelly que eu via ali sobre meu leito, representando a cena di Giorgione e era real. “Como você entrou aqui?”, perguntei-lhe embasbacado. “Você me trouxe!” “Eu?” “Amor não se faça de bobo! Vem me aquecer, vem! Que banho demorado o teu!” Nunca havia amado tanto uma mulher como amei aquela noite Gleice Kelly... “Amor, você soube do professor de artes aqui do lado? Dizem que sumiu.” “Fiquei sabendo, foi o seu irmão quem deu-me este quadro de o Homem Condenado, de Michelangelo, disse que foi a única coisa encontrada em seu apartamento.” ... Devia ter dado ouvidos à minha mãe.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Ponto “G”

Muita gente por aí, quer atingir o tal ponto “G”.

Como se a mulher fosse feita de pedacinhos.

A mulher é totalidade:

Corpo, sentimentos, sonhos, projetos...

O ponto “G” é importante,

Mas o que seria dele se não fosse o ponto A, B, C... H, ...R, T...:

Admiração,

Beijos,

Carícias,

Harmonia,

Respeito,

Toque...

Ainda não escrevemos todo o abecedário...

Calma amor, vamos chegar ao ponto “G”

O ponto que inclua a Gente Junto

Não escrevemos todo o abecedário,

Ele ganhará todo sentido em nós.

Quero escrever nossa vida de A até Z,

Quando acabar reescrever tudo de novo com você.


sexta-feira, 18 de novembro de 2011

MARCINHA

No verão, costumávamos cabular aula, principalmente as de dona Jhoana e suas intermináveis lições de divisão com três números na chave. Geralmente ficávamos ao redor da escola. Na verdade ficávamos no campo de educação física sacando as meninas jogando vôlei. Às vezes a professora implicava com nossa presença, mas dizíamos que éramos do período da tarde. Os dias de treino das meninas da oitava série eram os preferidos. Uma vez ou outra íamos à lagoa... Naquele dia, Thiaguinho disse que tinha uma surpresa e sacou da mochila o radinho de pilha que ganhara do avô. “E tem mais”, disse ele, “mas só mostro na lagoa..., se a professora pega..., meu pai me arranca o couro”. Marcinha quando viu o radinho se interessou e logo informou: “Eu e Marhiane também vamos”. “Não vão não!” Respondeu seco Thiaghuinho. Mas Marcinha insistiu: “se não formos também, entrego todo mundo!”. Thiaguinho emburrou e acabamos entrando pra escola. A verdade é que ficamos sem entender a reação de Thiaguinho, não seria a primeira vez que Marcinha e Marhiane cabulariam aula junto com a gente. Chateados eu e o Alberto combinamos aprontar uma para a Marcinha. Ao fim da segunda aula, no entanto, a idéia de aprontar pra Marcinha já não me agradava tanto. Ela era muito divertida e sempre disposta a participar de nossas armações. Mas, sobretudo, ela era linda. Num corpo que começava a despontar sensualidade, o misto de índia e holandesa dava-lhe especial beleza. Bastava-me seu sorriso e o mundo acabava. Quando então ela pediu-me o apontador, sentir o toque de seus dedos..., a idéia de pregar-lhe uma peça demoveu-se completamente. No intervalo, já estávamos todos juntos e Thiaguinho cedeu e ligou o radio. A música logo criou ao nosso redor uma roda de olhos e ouvidos curiosos. Marcinha gingava o corpo se descrisalando e seguíamos animados seus movimentos ao som de Placa Luminosa. Mas para cortar o barato, dona Marta, com seu característico mau humor, veio, sem mais nem menos, confiscar o aparelho. No dia seguinte nossas mães deveriam comparecer à escola... As aulas seguintes tornaram-se intermináveis. Primeiro, dona Jhoana, depois, dona Quitéria, de OSPB, que aproveitou o “incidente” do intervalo, para nos ensinar o respeito à “ordem estabelecida, como valor cívico”. No caminho de volta para casa, Thiaguinho esperou Marcinha se afastar um pouco: “Eu ainda quero mostrar outra coisa para vocês”, sacando uma revista Playboy da mochila: “tirei de um baú de meu pai, que encontrei aberto ontem à noite...” Era uma Playboy de janeiro de 1982, que Marcinha arrancou-nos das mãos, antes que a pudéssemos folhear...

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Os canteiros de Couve

Amaro entrou no banho. Amarilda, saindo, gritou-lhe: “estou indo comprar cigarro e já volto!” Quando Amarilda voltou estranhou que Amaro ainda estivesse no chuveiro: “Hei amor olha o desperdício, olha a conta no fim do mês!” Amaro não respondeu. Amarilda abriu a porta do banheiro. O banheiro vazio, o chuveiro escorrendo água: “Este Amaro! Oh homem desligado”. Amarilda ascendeu um cigarro, foi para cozinha, tomou café, picou a couve, cozeu o arroz, temperou o feijão, fritou o bife, pôs a mesa, ascendeu um cigarro: “Amaro está pra chegar”, foi ao portão... Fez hoje cinqüenta anos que Amaro desapareceu, enquanto Amarilda foi comprar cigarros. E a cinqüenta anos Amarilda cumpre todos os dias o mesmo ritual. Sua vida estacou ante o banheiro vazio. Mas hoje, quando Amarilda, voltando da venda, entrou em casa e gritou: “Hei amor olha o desperdício, olha a conta no fim do mês!”, e correu à porta do banheiro e a abriu, Amaro sorriu-lhe: “amor só mais um instantinho!”, Amarilda ascendeu um cigarro, foi para cozinha, pegou a faca... Todos admiram a horta de Amarilda: “como são bem cuidados estes canteiros de couve, dizem os vizinhos”. “Amaro gosta tanto de couve”, responde Amarilda.  

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

TE AMO

Prendo nella fretta il primo pantalone

E la camicia che hai stirato

alzo l'radio un po' per non pensare

e mangio in fretta un pezzo di pane con burro

e bevo del  latte rancido lasciato sul tavoro ieri

Il giorno è freddo

dal balcone vedo la strada già congestionata

guardo l’orologio, sono in ritardo

Cerco la giacca tra i pani sporchi

Sento la radio per non pensare

Mi hai detto ieri che sono strano e confuso

Forse abbia ragione

Ma non ti hanno dei motivi per sentirti addosso la paura di sbagliare

Respiri bene a fondo e prenditi il tuo tempo

“restiamo con i piedi per terra”, mi hai detto

dove ti nascondi quando mi guardi con quegli occhi grandi?

Prendo le chiavi, sono in ritardo

La testa gira a mille, come faccio a fermare i piedi?

Spegno la radio, chiudo la porta

La strata è già affollata

Sono pronto per la lotta

Prenditi Il tuo tempo

Sono strano e confuso, è vero

Ma come è bello sognare quando sono con te

E non saprei vivere lontano da te

Prendo l’autobus e te sorrido

Buon giorno, Amore mio!

GLOSSÁRIO TÉCNICO CRÍTICO PARA CUNHÃ

GLOSSÁRIO TÉCNICO CRÍTICO PARA CUNHÃ, DE CLAUDIO DOMINGOS FERNANDES POR MARCO MAIDA

Introdução e advertência

O presente glossário tem por objetivo propor uma leitura adequada ao conto Cunhã de Claudio Domingos. O uso indevido desse glossário pode e com certeza levará o leitor a uma leitura ineficiente do texto citado.

Sobre os verbetes vale considerar que estão dispostos em ordem meta-alfabética e a sua definição usa critérios semânticos livres.

Cunhã: substantivo, singular, feminino, próprio da região amazônica, é um termo que designa todo peixe que é objeto de estudo de mulheres que são designadas pelo estado conjugal de sua irmã: para a irmã casada a sua designação é “a cunhada”e o seu objeto de estudo é o “cunhã”. As pesquisadoras do peixe Cunhã são muito chatas, ou melhor, muito dedicadas a sua pesquisa, e por isso assumem a condição de celibatária. Há ainda uma pesquisadora que estuda a propriedade metamórfica da Cunhã. Segundo Margaret Mead, profunda conhecedora dos animais e plantas amazônicos, a Cunhã pode transformar-se em uma boicininga alada e com duas cabeças quando ameaçada por seu maior predador. Essas pesquisas ainda margeiam os mitos da região, mas entre mito e ciência existe um espaço muito curto, muito curto mesmo!



Abaçanada: adjetivo, singular, feminino, muito usado pelas pessoas da Amazônia para designar a forma como se comporta a coloração do peixe Cunhã. Segundo pesquisas considera-se que o peixe Cunhã possui a fantástica propriedade de mudar a coloração de sua pele conforme o seu estado de espírito, e segundo algumas chunazólogas, o peixe Cunhã usa dessa artimanha para conquistar os seusobjetivos. Isso leva a crer que o estado de espírito é determinado pelo objetivo que o peixe Cunhã deseja alcançar.



Catulo: substantivo, singular, masculino, próprio da região amazônica. Termo usado para designar o peixe que relaciona-se com Cunhã de forma simbiótica. Assim como o peixe firefaster e o tubarão, Cunhã e Catulo são vistos sempre juntos, mas a convivência não é parasitária, senão simbiótica. Alguns dizem que Cunhã precisa de Cutalo para mudar a sua cor de pele, para designar o seu objetivo. Algumas cunhazólogas afirmam que não é possível a Cunhã designar-se um objetivo sem o Cutalo. A relação simbiótica pode acontecer em qualquer momento do desenvolvimento desses peixes, é mais comum que a relação simbiótica aconteça na fase juvenil (um pouco clichê, mas a ciência é assim!).



Bilontra: substantivo que pode ser atribuído a dois gêneros, designa nesse caso muito específico um peixe da família dos Trangenerosandrógenus e possui a propriedade de mudar de sexo conforme a situação. Muito voluntarioso, esse peixe é comumente encontrado em águas barrentas amazonenses e predador da Cunhã e do Cutalo. Costuma ser muito requisitado em pratos chiques na Europa. Dizem alguns guias de viagem que os alemães vêem para o Brasil em busca desse peixe e quando o encontram fartam-se com o seu sabor.



Diamba: Substantivo, singular, masculino, usado pelo peixe Bilontra como recurso para passar o tempo nos intervalos em que não está caçando Cunhã e Catulo e não está divertindo turistas alemães. Costuma ser encontrado no fundo das águas barrentas do amazonas, folha que é enrolada e fica no canto da boca do peixe Bilontras. Dizem alguns pesquisadores que é usado para a higiene dos dentes e para a manutenção do hálito sempre fresco. O antropólogo alemão Glutonios Salcianus, profundo conhecedor do peixe Bilontras, afirma que a Diamba era usada pelos índios que vivam a margem do Amazonas para dor de dentes e nas mulheres para o ritual de casamento (ainda não se sabe ao certo o motivo, eu tenho algumas hipóteses, mas prefiro discutir sobre isso em nosso próximo encontro).



Boceta: substantivo, feminino (bem feminino), singular (nem tanto assim). Parte do peixe Cunhã em que, segundo cunhazólogas, encontra-se a propriedade que faz o peixe Cunhã mudar de cor.



Ciciandouma canção álacre: frase muito usada pelos pesquisadores alemães do peixe Bilontras. É um ruído produzido por esse escamoso que atrai a Cunhã. Alguns registros mostram que é produzido em dó(r) maior, assim pode alcançar uma propagação mais adequada no ambiente lacustre.



Referenciais bibliográficos

Encyclopedia Britannica. Edimburg, 1768.

Vocabulário técnico crítico de piscicultura e aquacultura amazônico. Santa Cêndida, 2011.

Pajé Yhanheunhunha de Monte Alverne. Encontro necrolálico gravado no escritório de Marco Maida em novembro de 2011.

Leopoldo ...,

Sasá, ...

domingo, 6 de novembro de 2011

CUNHÃ

Certa cunhã abaçanada vestida de corpete crepe decotado, deixando transparecer os belos seios, deambulava pela orla com seu catulo. Também a saia que vestia era transparente e curta, denunciando a ausência de outros panos. Alguns bilontras que curtiam livremente o cigarro de diamba, mal lhe deram atenção.  Mas um caiçara macilento e beiçola notou a boceta e pensou bifá-la. Afastou-se dos companheiros já brisados e seguiu a distraída moçoila ciciando uma canção álacre.  Quando em local propicio, sombreado e ermo, aproximou-se da manceba o bandalho, dando-lhe um corroscão por trás que a derribou. O ladino lançou-se sobre seu corpo, enquanto o pequeno catulo avançava-lhe  bramindo.  O cheiro almiscarado entorpeceu o bandalho que, esquecido da boceta, intentava abrir as pernas da jovem cunhã, ameaçando-a com um cutelo. O alardeio do catulo atraiu a atenção de um grupo de adventícios, que já viam em socorro da moçetona. Mas a mesma dispensava ajuda. Abrindo um belo sorriso e arregalando os olhos cerúleos, a rapariga demudou-se em uma boicininga dicefala e alada, que engolindo o sacripanta, alçou voou. O pequeno catulo, demudado em algo que não foi possível descrever correu para o mar e nele desapareceu. A boceta, um desadvertido a pegou e o podemos contemplar brônzeo na adentrada da orla onde se narra esta história.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

SE MORRE

A criatividade divina, para os que acreditam na criação, é imensurável. Basta olharmos atentamente para um jardim e encontraremos já considerável diversificação. Se atentarmos um pouco mais o olhar, observaremos que entre vermes, formigas, lagartas, besouros e joaninhas entre outros, a variedade é imensa. Considerando apenas o reino animal, que engloba desde um simples protozoário até o mais elaborado dos mamíferos, os biólogos, segundo li, calculam cerca de 1.300.000 o número de espécies. Estes dias eu me encantei com um simples verme ou inseto, não sei diferenciar uma coisa de outra, em meu jardim. Parecia um fio de cabelo curto, verde, que para se locomover se encolhia todo e em seguida e abria. Neste movimento sanfonico, ia o quase imperceptível animal. O reino vegetal é tão diversificado quanto o reino animal: se compõe de algas, ervas arbustos, arvores, flores que por si sós já me encantam. Mas o que isto tudo tem a ver com a morte?. É que o dia de ontém era propício a se pensar nisto. E conclui que, neste quesito, a criatividade divina é de uma diversificação também imensurável. Tá certo que os mais argutos, irão lembrar-me que a morte não é criação divina, mas fruto da desobediência humana. Tudo bem, aceitamos a tese. Mas que o criador aproveitou a deixa, isto lá ele fez! Se morre de câncer, e não existe um só tipo, mas uma infinidade de tipos de câncer. Se morre dos mais variados tipos de acidente. Um vizinho meu morreu com uma simples pedrada que o neto, brincando, lhe deu. Se morre derrepente, você deita, dorme e não acorda mais: não neste mundo. Se morre de amor, de susto, de prazer, de dor. Às vezes a alegria é tanta que o coração não aguenta. Um amigo meu morreu nos braços da amante. Como desejo esta morte! Já um outro, levantou, tomou banho, arrumou-se para o trabalho, sentou para tomar café... Ele ainda nem estava acostumado com a idéia de estar aposentado. Digo a meus alunos que não devemos ter medo da morte e sito-lhes um trecho de texto que li de Istvan Orkeny: “todos os nossos minutos pertencem à morte. Todas as nossas horas, os nossos dias. A unica coisa que não sabemos é qual será aquele instante dentre tantos, que ela haverá de escolher...” (A exposição das Flores). Então não devemos ter medo da morte, digo lhes, devemos ter medo de sermos matado dorosamente ou não e principalmente de matarmos. A criatividade divina não tem limite, no entanto não quero que se atribua à sua vontade, algo que eu poderia ter evitado. Evito morrer desnecessáriamente, evito morrer banalmente, evito morrer inconsequentemente, evito morrer. Sobretudo me educo a não ter sobre minhas mãos a morte acidental ou voluntária de um outro ser, porque eu aprendi e aceito que Deus se torna impotente ante minha liberdade e não pode responder pelos meus atos.   

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

FINADOS

Para Fábio Miguel


Não considero a morte uma ausência, porque os corpos desfeitos em cinzas ou re-misturados à terra, não nos abandonam. Eles convivem ao nosso lado, nos visitam em sonhos e mesmo enquanto caminhamos por caminhos que fizemos juntos. Quando meu padrinho morreu, ele foi velado em casa. As mulheres rezavam. Os homens ao redor da fogueira, contavam causos. Meu padrinho entre eles sorria-me. Tinha eu oito anos. Ainda o vejo de pito em boca, conversando com pai na varanda. Quando os moleques descem a rua em seus carrinhos de rolimã, entre eles está o primo, cantarolando Tim Maia. E tia Mailsa, ainda aparece-me entre as frestas de portas. Mas não são apenas pessoas que compõem meu universo. Leão, o vira lata de pêlos amarelos, ainda balança o rabo e saltita quando abro o portão. Tenho a impressão que é Bolinha, “esta cadela ordinária”, quem esconde meu chinelo. E tem manhãs que me desperto com o canto do Cardenal, o canarinho de tia Sabastiana. Tem ainda os brinquedos, os gestos, as situações, que visitam-me sempre. Carrego, por exemplo, uma flor, a primeira que dei acompanhada do beijo que tanto esperei e não veio. Às vezes a vejo entre as rosas de meu jardim. Acho graça. O Ipê amarelo já não existe mais. Mas não tem como passar por esta rua e não vê-lo. O cheiro de chuva trás sempre consigo o de bolinhos de trigo e café adoçado com rapadura. E o café que solvo tem este sabor. Vendo as crianças brincando, brinco com Salomé, a boneca de retalhos que tia Sabastiana fez para Naninha, como eu gostava daquela boneca mais que Naninha. “Homem não brinca com bonecas”, ralhava pai... Morrer é apenas um jogo de esconde-esconde. E Não somos nós que achamos nossos mortos, eles nos procuram.  Eu não saberia viver sem esta relação.